Desde pequena ficava deslumbrada vendo sua avó costurar. Todos aqueles tecidos, cores e texturas faziam seus olhos brilharem. Sua avó, Rosa, costurava para a igreja. Ela consertava roupas de brechós, fazia figurinos das peças da turma de teatro dominical e qualquer outro reparo, se necessário.

Aos 10 anos, Daphne já desenhava muito bem. Ela levava para a escola seu caderno de desenhos e passava todo o recreio desenhando e pintando roupas. Para Daphne, a aula de artes era sempre seu momento favorito da semana. Todos ficavam impressionados com os vestidos que a garota desenhava. Pegava alguns tecidos de tnt e brincava de vestir as colegas da sala de aula, que tornavam tudo um grande desfile de moda na sala de aula. Quando foi crescendo, seu amor por moda foi aumentando. Aos 14, já ajudava a avó a costurar e transformar seus desenhos em vestidos reais. Ela e a avó tinham uma boa quantidade de encomendas. Amavam passar tempo juntas.

Era difícil não admirar Daphne, já que era uma garota que tirava boas notas, cantava na igreja e era educada e gentil com todos. Ela era o modelo perfeito da filha que todos os pais sonham em ter. Os pais de Daphne eram pessoas completamente diferentes um do outro, a única semelhança que carregavam era a fé cristã, pois o pai era católico e sua mãe, evangélica.

Um segredo que Daphne não falava para ninguém é que ela queria ser como as outras garotas, usar as mesmas camisas de banda de rock, poder fazer mechas coloridas no cabelo, mas sabia que seus pais jamais deixariam, pois aquilo não fazia parte de uma vida baseada nos seus ensinamentos. Ela se recusava em ter esses desejos, evitava pensar nisso, mas no fundo, ela sabia que queria, só que tinha medo de ser vista como uma desonra para sua família. Ela estava fadada a seguir esse caminho?

Quando sua mãe via seus cachos bagunçados, ficava chateada com a garota e sempre pedia para arrumar seus cabelos. Daphne parecia até uma boneca nas mãos de sua mãe. A verdade é que ela gostava de seu cabelo bagunçado, ela não era muito fã de simetria, muito menos de padrões de beleza, e ela foi percebendo isso aos poucos.

Durante o ensino médio, Daphne decidiu prestar vestibular para artes visuais em uma faculdade de sua cidade. Aprovada de primeira, ela cursou os quatro anos sabendo que queria mesmo era cursar moda, mas ela só poderia fazer isso saindo de sua cidade. Os quatro anos de curso tiraram a garota de sua bolha. Agora ela tinha muitas referências em sua bagagem, sabia o que era feminismo e amava ouvir Rita Lee e Blondie. Mesmo sabendo que os anos de curso fizeram com que ela se tornasse outra pessoa, ela não conseguia externalizar isso de forma alguma para seus pais. Ela tinha medo.

Chegando ao fim da faculdade, ela contou à mãe o plano de prestar vestibular novamente e cursar moda fora da cidade em que morava. Os pais apoiaram a ideia, mas sempre insistindo que a garota nunca deixasse de ser quem é, mas quem era ela? Talvez o espelho deles. Seus pais queriam controlar suas roupas, seu jeito de falar, de se comportar e isso oprimia a garota.

Passado todos os processos para cursar moda, Daphne finalmente chegou na capital. No início, ela teve muitos pensamentos que a sabotavam. Questionava se era boa o suficiente e, como toda gen z, estava sempre de olho nas redes sociais e se comparava demais com outras pessoas. Ela travava batalhas diariamente com esses pensamentos. Sua terapeuta dizia que talvez tenha sido algo que foi gerado a partir da super proteção e controle de seus pais. Isso foi o suficiente para abrir seus olhos.

Apesar de insegura, em seu primeiro ano longe de casa, ela entrou em uma jornada de descobertas. Em outras palavras, amores, experiências, ideologias etc. Nas férias do primeiro ano, Daphne se sentia deslocada na casa dos pais. Tinha algo estranho com ela, pois não parecia estar totalmente confortável com sua família. Nas férias do segundo ano, ela percebeu que, na verdade, não queria ser mais controlada pela sua família. Na capital, ela era uma pessoa completamente diferente do que era com sua família e era muito injusto ela não poder ser quem é.

Daphne estava em uma situação pílula azul ou pílula vermelha, afinal, qual seria melhor opção? Abrir mão de quem você quer ser para agradar sua família ou sentir o gosto de uma vida livre?

No último ano da faculdade, Daphne assumiu completamente uma persona artística. Ela queria ser como Vivienne Westwood, uma designer autêntica que fosse levada a sério por grandes nomes da indústria. Daphne havia tomado sua decisão de qual pílula tomar. Ela havia escolhido ela, sua carreira, sua liberdade e sua felicidade. Mas não era tão fácil lidar com isso, não tanto quanto ela imaginava.

Toda vez que falava com seus pais, ela sentia as microagressões em suas falas. Ela sabia que não poderia mudar a mente deles, que julgavam não conhecer essa nova pessoa, e pelo tanto de amor que carregava por eles, ela sempre sentia esse peso emocional quando conversavam, seja longe ou perto.

No fim, Daphne só entendeu que esse foi o sacrifício que teve que fazer para encontrar a si mesma. Foi como quando criança, quando aprendeu a cortar, costurar e usar remendos para esconder buracos.