Recentemente a Associação Médica Americana resolveu retirar seu apoio à Análise do Comportamento Aplicada (ABA) como único e mais eficiente tratamento para os pacientes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) levando em consideração algumas críticas ao comportamentalismo e seus efeitos, o que representa um avanço gigantesco na forma de enxergar as possibilidades de terapias para indivíduos com TEA.

Por décadas, a ABA tem sido amplamente promovida como o tratamento de referência para o autismo em crianças, apesar das substanciais evidências, tanto anedóticas quanto objetivas, que ressaltam os numerosos riscos e prejuízos das intervenções comportamentais coercitivas. Como profissional da área da psicologia e estudioso do campo de desenvolvimento humano, é gratificante testemunhar demais profissionais, sobretudo da área médica, expressando sua posição sobre essa questão crucial que há muito tempo tem sido negligenciada.

Na reunião anual da Associação Médica Americana, ocorrida em junho deste ano, foi aprovada a resolução intitulada Revisão de H-185.921 - Retirada do Apoio da AMA à Análise Comportamental Aplicada. A antiga política, que se concentrava na cobertura do seguro saúde, simplesmente afirmava que:

A AMA apoia a cobertura e o reembolso para tratamento baseado em evidências do Transtorno do Espectro Autista, como a Terapia de Análise Comportamental Aplicada.

Apesar de sua simplicidade, essa política oferecia respaldo específico à ABA e fornecia apoio aos defensores do método em seus esforços legislativos e em outras instâncias para obter apoio à ABA, na maioria das vezes em detrimento de outras abordagens.

Dentre os argumentos utilizados para provocar esta mudança, e que podem ser lidos integralmente aqui, destacam-se as seguintes considerações:

  • Estudo de 2018 dos CDC sobre a prevalência do TEA, que ressaltou a necessidade de diversificação nas abordagens terapêuticas;
  • ABA como terapia predominante no Canadá e nos EUA em detrimento de outras possibilidades;
  • Natureza fragmentada e lucrativa da indústria de tratamento do autismo;
  • Definição de comportamentos desejados pelo adulto, frequentemente sem consentimento da criança;
  • Críticas às abordagens coercitivas das técnicas de modificação comportamental da ABA;
  • História de abusos e práticas prejudiciais da ABA e o reconhecimento dos riscos associados;
  • Objetivo de fazer uma criança parecer "normal" em detrimento da importância de aceitar a diversidade;
  • Associação da ABA a maiores riscos de suicídio e TEPT e demais efeitos potenciais da ABA na saúde mental;
  • Relatos de trauma resultante da ABA por adultos autistas e a consideração dos efeitos a longo prazo;
  • Insuficiência de evidências para serviços a adultos com TEA, em associação a necessidade de diretrizes claras para tratamentos em adultos;
  • Recomendações de pesquisa em revisões Cochrane, que ressaltou a importância de avaliações objetivas;
  • Reconhecimento das perspectivas contrastantes e opiniões divergentes sobre apoio à terapia ABA;
  • Falta de correlação entre melhoria e total de horas de ABA;
  • Conflitos de interesse prevalentes e subnotificados em pesquisa sobre autismo, evidenciando a importância da transparência em pesquisas;
  • Falta de reconhecimento, por parte da AMA, sobre possíveis danos da ABA e a urgência da necessidade de abordar possíveis consequências negativas deste modelo de tratamento.

A partir desta resolução, a nova política elimina, de certa forma, o apoio explícito à ABA e abre espaço para apoiar todos os serviços baseados em evidências. Outra mudança muito importante diz respeito ao termo "tratamento", que agora passa a ser substituído por "serviços", o que implica diretamente em uma mudança na forma de enxergar indivíduos neurodivergentes, isto é: pessoa autista pode necessitar de serviços de suporte, mas a concepção de tratá-la e corrigi-la como se estivesse defeituosa é inadequada.

Sem dúvida, para além da questão mercadológica atrelada a esta mudança, o mais interessante dessa movimentação é a possibilidade de questionarmos o que vem sendo preconizado há algum tempo sobre o tratamento de crianças com diagnóstico de TEA.

Psicanálise como alternativa à ABA

No cerne dessa discussão, muito se tem questionado sobre a cientificidade de outras psicoterapias, e sobre as novas (ou não tão novas) possibilidades de suporte a indivíduos com TEA. A psicanálise, por exemplo, tem ganhado espaço com suas contribuições para compreender o autismo. Esta abordagem desafia a visão hegemônica e oferece esperança para um tratamento mais inclusivo, sensível às singularidades e potencialidades das crianças.

Assim, a discussão sobre a cientificidade da psicanálise volta a ser pertinente. De forma resumida, enquanto abordagens comportamentais se concentram em fenômenos observáveis, a psicanálise se baseia nas manifestações do inconsciente, uma realidade empírica em sua própria esfera.

Uma análise aprofundada da psicanálise revela que ela se fundamenta em experiências exclusivamente empíricas das manifestações do inconsciente. O inconsciente é uma constatação, uma evidência observável e, portanto, empírica. Dessa forma, é possível afirmar que a eficácia da psicanálise, em comparação com abordagens cognitivo-comportamentais, possui apoio científico. Embora a natureza epistemológica possa ser complexa, as evidências empíricas das manifestações do inconsciente solidificam a psicanálise como uma abordagem válida dentro do espectro das psicoterapias.

Neste sentido, cabe destacar que, nos últimos anos, a psicanálise vem produzindo muitos estudos no campo do autismo e ter a possibilidade de abrir os olhos para questionar os saberes hegemônicos já nos dá muita esperança para continuar na luta para que as nossas crianças tenham cada vez mais acesso a um tratamento digno, humanizado, que leva em consideração suas singularidades e potencialidades.