No passado dia 9 de novembro, após aceitar a demissão do primeiro-ministro António Costa, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou a dissolução da Assembleia da República, e o país voltará às urnas em 10 de março de 2024.

Há quem afirme que Rebelo de Sousa não tinha alternativa. Esta afirmação estava mal formulada; proponho trocar a flexão verbal "tinha" por "queria". Sua Excelência, Senhor Presidente, tinha pelo menos outra opção: não dissolver a Assembleia. Considerando que os portugueses votaram não em Costa, mas no partido, ele poderia sair, e o Presidente poderia dar posse a outro governo do PS, seguindo o exemplo de Durão Barroso e Santana Lopes.

Lamentavelmente, o mais alto Magistrado da Nação ainda não se desvinculou do cargo de "líder do PSD", compreensível, pois ele não é Presidente da oposição há 24 anos. Pediu-se a Marcelo Rebelo de Sousa que tivesse sentido de Estado — ele falhou. Pediu-se que respeitasse uma maioria absoluta com menos de dois anos — ele falhou. Pediu-se que contivesse os ânimos carniceiros dos quadros altos da esquerda à direita — e ele falhou.

A comumente denominada “bomba atómica do Presidente” (no fundo materializa-se em depor Governo e deputados) deverá ser ativada se 1. as instituições do Estado de Direito estiverem ameaçadas e, simultaneamente, se 2. houver uma forte hipótese de constituir governo com as forças de oposição. Não querendo analisar a saúde da Democracia, passo para o segundo ponto — analise-se a oposição.

Além dos muitos partidos à porta da Casa da Democracia, temos Bloco de Esquerda e Partido Comunista em claro movimento descendente (embora, segundo algumas previsões, Mariana Mortágua possa conseguir mobilizar o eleitorado perdido por Catarina Martins). Livre tem esperança de ver o bom senso e a qualidade política do seu único deputado serem premiados (o que, infelizmente, não é garantido). PAN, pela falta de espaço e pela aliança com a direita na Região Autónoma da Madeira, acabará por desaparecer. Iniciativa Liberal perderá, diria quase “invariavelmente”, lugares. Socialistas e Sociais-democratas ocuparão, à partida, lugares cimeiros, e embora considere dificílimo repetir-se uma maioria absoluta, não imagino que Pedro Nuno Santos (à data, ainda nem eleito Secretário-Geral do PS) não ganhe a Luís Montenegro. Ora, se quase todos (ou todos?) vão perder deputados, alguém vai conquistá-los. Quem será, caro Presidente da República?

Esperando honestamente que o Ministério Público não tenha perpetrado uma espécie de golpe de Estado, estou convencido de que Marcelo Rebelo de Sousa deu, no mínimo, um tiro em cada pé. Primeiramente, se o PS vencer novamente, ficará para a história que derrubou uma maioria absoluta inequívoca em vão e, mais grave ainda, ficará para a história que patrocinou um aumento substancial de deputados de um partido extremista e populista, cujo lema foi inspirado no sistema fascista que governou Portugal por quase 50 anos — “Deus, Pátria e Família” e lá acrescentaram “Trabalho”.

Numa altura em que os nossos vizinhos espanhóis veem socialistas aliarem-se com tudo e todos para não perderem o trono para a direita, importa que os dois partidos “grandes” em Portugal não cometam o mesmo erro. Seja PS ou PSD a vencer, pede-se ao segundo classificado “juizinho” e que se lembre de um certo abutre feroz à espreita, por uma outrora pequena brecha, para roer o que resta da meio-centenária Democracia. Isto, está claro, se o nosso Presidente, na qualidade de “dirigente laranja”, não se importar.

Em última análise, a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa em dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições permanece envolta em controvérsia e incerteza quanto aos desdobramentos futuros. Seja por motivos de estratégia política, convicções pessoais ou preocupações com a estabilidade governativa, a ação do Presidente da República inevitavelmente moldará o cenário político e o destino da democracia portuguesa nos próximos anos. Agora, cabe aos eleitores discernir e decidir o rumo do país, enquanto observadores atentos ponderam sobre o legado dessa decisão na complexa tapeçaria da história política de Portugal.