A essência vital do ser humano constitui-se de três partes essenciais à completude de um todo perfeito. Contudo, é na "Poética" de Aristóteles que melhor compreendemos o quanto essas partes contribuem para a essência, seja de um ser, seja do seu objetivo principal de estudo e trabalho, a mimese, que encontra sua concretização perfeita na tragédia.

Podemos relacionar a divisão essencial da tragédia que, para formar um todo uno e perfeito, precisa ser constituída sempre por três partes: início, meio e fim. Para isso, recorremos à própria definição de tragédia, abordada inicialmente no capítulo IV, onde Aristóteles considera que “(...) a tragédia estabilizou-se quando atingiu sua natureza própria (...)”, estabilização essa que permite defini-la mais adiante, no capítulo VI, como sendo “(...) a imitação de uma ação elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes, que se utiliza da ação e não da narração e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a purificação de tais paixões.”

No que se refere à estabilização mencionada, por sua origem em 'stabilis', faz sentido considerá-la enquanto conceito associado ao processo de consolidação, de organizar ou mesmo dividir em partes. Nesse sentido, referimo-nos principalmente às espécies e à própria natureza.

O conceito de natureza, segundo o pensamento desse filósofo, associa-se ao processo e mundo da vida, que tende a germinar, apesar de nem sempre isso ocorrer. Há, sem dúvida, uma similitude com a ligação entre o amante e o amado, cuja união tende a gerar e criar o belo. Apesar de ser esse o alvo do amor, tal como na natureza, nem sempre a germinação é isenta de falhas e deformações, frutos do acaso.

Mais tarde, em sua obra “Física”, Aristóteles retomaria essa ideia de estabilização da natureza, especialmente no livro II, onde associaria a natureza em consolidação à própria techné. De fato, a arte poética tende igualmente para a perfeição, apesar de todas as imperfeições que apresenta (causas acidentais). Considera, assim, que a arte pode embelezar essas mesmas imperfeições, tais como a doença, a fortuna, o acaso ou tudo aquilo que causa repugnância. A todo esse processo de embelezamento e estabilização Aristóteles dá o nome de energeia, que encontra sua obra e realização perfeita na entelequia, enquanto realização plena e completa de uma finalidade natural, de qualquer ser animado ou inanimado. Aristóteles não considera, ainda, as relações e ligações entre espécies.

Assim, ao associar a natureza à arte poética - cuja perfeição é atingida na tragédia (representa os homens superiores) -, faz sentido observar o quanto ambas tendem para uma estabilização, uma finitude e um todo uno e perfeito. Porém, ao falar em finitude, torna-se menos acessível o conceito de relação, já que, em Aristóteles, qualquer ser vivo atinge sua forma perfeita, passando precisamente por esse processo de estabilização.

Ao considerarmos o fluxo vital em termos finitos, torna-se mais exigente compreender a noção que Platão definiu como a aproximação necessária, como o reconhecimento entre uma entidade e outra, amante e amado.

Para um breve comentário sobre a evolução da vida, e justamente por surgir cada vez mais a necessidade de explorar a aproximação e reconhecimento da vida, faz sentido recorrer à teoria da qual nasceu toda a noção de relação na natureza. Influenciado pelo movimento naturalista, Charles Darwin explorou a teoria da evolução das espécies, dando-lhe uma explicação lógica. Partiu do pressuposto de que nem todos os indivíduos têm descendência e que, para isso acontecer, necessitam de sobreviver, pelo menos até o momento da reprodução. No entanto, Darwin não exclui o acaso, nem o quanto existem imperfeições na natureza, aquelas que Platão acredita poderem ser embelezadas pela arte.

Para Darwin, era preciso considerar o fato de nem todas as características serem benéficas para a sobrevivência de um indivíduo, em relação aos outros. Nesse caso, os indivíduos com traços favoráveis teriam maior probabilidade de sobrevivência e, consequentemente, maior capacidade de reprodução e de continuidade de sua espécie na natureza. Com o decorrer do tempo e ao passá-las à sua descendência, nas várias gerações, as características benéficas em certa espécie permitiriam uma taxa de sobrevivência cada vez maior. Esse processo de continuidade e simultânea transformação, daqueles que conseguiam sobreviver, ficou denominado "Seleção Natural". Charles Darwin utilizou-se desta teoria para justificar a evolução das espécies.

No que diz respeito à continuidade do fluxo vital, encontramos, no final de sua obra, uma passagem essencial:

Há uma grandeza nesta visão da vida, com suas várias atribuições, originalmente pertencentes a algumas formas, ou apenas a uma; e enquanto este planeta vai girando em sua órbita, obedecendo à lei fixa da gravidade, uma quantidade infinita de belas e admiráveis espécies, a partir de um começo tão simples, evoluíram e continuam a evoluir.

É de notar ainda a influência do meio, que, em sua teoria, constitui as chamadas “pressões seletivas”, e que permitem que prevaleçam características diferentes na natureza, conforme as adaptações de cada ser vivo. Segundo a teoria evolucionista, a natureza é um processo contínuo, de certa forma infinito, em que as espécies interagem entre si. Ao evoluírem, sempre expostas à seleção natural, também a pressão seletiva se altera. É assim que podemos compreender que entre duas entidades, quer denominemos espécies, quer falemos do próprio fluxo da natureza, há sempre uma ligação, que faz com que estejam constantemente expostas à mudança e à completude.

Por mais que a vida possa ser encarada de forma finita, há sempre algo de cada ser que passa para sua descendência, sejam as pequenas características genéticas, sejam os valores morais. É verdade que os tempos estão em constante mudança e evolução, e que a vida de cada um é única, mas é pela prevalência desses valores, a que Platão chamaria a ascensão do saber, que existe um processo de continuidade infinita. Há muito em nós que foi adquirido e que devemos aos que pensaram antes de nós, tal como Diotima revelou a Sócrates.

Talvez o que importe seja também a forma como nos relacionamos, através do processo intermediário que sempre une, bem como tudo o que faz parte desse processo infinito que é a vida, que é o amor. E talvez seja por isso que o Eros mereça tanta atenção, um debate infinito.