Este é um texto que nunca pensei em escrever, talvez por inocência para com a mortalidade ou a recusa em pensar nela. Agora que aqui estou, já pensei em mil e uma formas de começar esta carta e a única que me ocorre é dizer-te o quanto significaste e significas para mim! Acho que nem tu imaginas o quanto. Um modelo de Homem, pai, marido, avô, irmão e bisavô. Um homem de trabalho, de luta, resistência, humildade e força, como hoje já não existe. Construíste tanto para nós e deste-nos tanto que não há palavras que meçam a quantidade de amor e dedicação que nos ofereceste ao longo dos anos.

Sei que fomos sempre o teu foco e foi para nós que dedicaste a tua vida, vi nos teus olhos esta verdade tantas vezes que choro só de pensar em não voltar a ter mais esse amor tão puro e silencioso, que sentimos bem forte no ar e no coração. Não eras de muitas palavras que precisassem de descrever sentimentos, mas sentia-se à distância a tua grande estima e amor por cada um de nós. Um amor que apenas um avô como tu sabe dar! Não há forma mais bela de viver do que por e pela família, tal como fizeste.

É mesmo um privilégio sem medida chamar-te avô, meu segundo pai. Casa. E o quanto gostavas de ser avô e de nos ter em tua casa. Das brincadeiras tolas às piadas que não percebia à primeira - porque eras astuto demais para aquelas piadas sem graça - tudo em ti era aconchego, conforto e segurança.

Robusto, grisalho, humilde, olhos esverdeados, sempre com uma piada na ponta da língua ou um sorriso na cara, é assim que ficarás para mim! Uma imagem que muito estimo e me deixa com a alma embebida de carinho, apesar da tristeza que sinto. É um orgulho chamar-te avô, sabes? Não só porque foste a força, a proteção e a resiliência em pessoa, mas porque foste também o avô brincalhão, meigo e conselheiro. És uma inspiração para qualquer homem de hoje, não só pelos teus honrados valores, mas por tudo o que representas de um tempo que não existe mais neste trilho a que chamamos vida.

Com a boina na cabeça, a enxada no ombro e a caminhar para os campos, sem medo de trabalhar e em fazer acontecer. Entretido nas adegas – que quando era mais pequena achava fascinantes - a falar de agricultura, das culturas que tinhas semeado ou da atualidade que vias nos noticiários, tudo isto recordo já com saudade. A tua barba a picar na minha cara quando te cumprimentava era frequente e incomodava-me, engraçado como eras, fazias ainda pior e rias-te com a minha reação. Passou quase a ser um cumprimento nosso. Recordo-me do cheiro do teu after shave e de quanto o elogiava. A tua presença no topo da mesa nos almoços de família era regra, não porque quisesses ou pedisses, mas porque intuitivamente assim o era. Esse lugar estará sempre guardado para ti, afinal…representa ser a base da nossa família, como eras! Andavas sempre pela rua, entretido na horta, no pomar, com a casa ou com animais. Cuidavas das tuas coisas, tal como cuidavas de nós, e tinhas sempre tudo organizadinho. Eras engenhoso, ora não fosse a tua alcunha “engenheiro”, construías o que fosse preciso e arranjavas soluções astutas para os teus problemas. Tinhas brio no que fazias! Eras um grande conhecedor de tudo o que fosse agricultura, a experiência assim te fez e as tuas conversas sobre este tema deixavam-me a pensar no quanto percebias do que estavas a falar. Estas são as imagens e as memórias que tenho vezes sem conta a repetir-se na minha cabeça e que vou guardar numa gaveta do coração com imenso carinho. São memórias que remontam há minha infância e a um tempo em que nem imaginava que um dia te poderia perder.

Ver-te envelhecer, doía-me muito. O saber que o tempo connosco começava a acabar e a antevisão de não te ter aqui, esteve muito presente nos últimos anos e tentei, ao máximo, usufruir do tempo que a vida nos deu juntos. A dor é agora maior, sem ti. O não estares lá, o não te abraçar e o não te ouvir é tão doloroso. Pensar em não estar mais contigo é uma angústia com a qual tenho tentado lidar e amenizar para conseguir seguir em frente. Até porque, nem sei descrever esta dor que sinto. Só sei que está cá, mesmo disfarçando, e vai estar sempre porque perder-te é uma ferida que nunca vai fechar totalmente - és o meu querido avô.

Somos apenas carne e algo mais nos espera – assim acredito – mas a perda dói muito e isto nunca tinha sentido. O nosso último abraço está e ficará gravado para sempre na minha cabeça. Foi tão forte, como nunca me tinhas dado. Talvez soubesses o que estava para vir e o conforto daquele abraço foi um consolo para ti. Não sabia que era o último e agora sinto que te dei poucos abraços. Só queria dar-te mais um, forte, longo e apertado, e dizer-te que gosto muito, muito de ti. Eu sei que sabes tudo isto e disse-te muitas vezes quando percebi que tinha de começar a despedir-me de ti, mas nunca é demais dizer, mesmo já sem ti aqui, porque o meu amor chega ao Céu.

A tua perda ecoa no meu coração, sabias? Parece que nada é mais igual. Faltas tu, avô! Só a tua presença, mesmo que não fosse diária, era um conforto todos os dias. Fizeste tudo o que tinhas a fazer aqui e isso, de certa forma, reconforta-me. Cumpriste o teu propósito, eu sei, e que bonito é saber isso! Foste tanto para tanta gente, que a tua presença ficará para sempre gravada em cada um de nós. Em mim, estará sempre um pouquinho de ti, tal como em ti (onde quer que estejas), está um bocadinho meu, pois sou e serei sempre parte de ti! Ser família é um laço que jamais se perde, seja qual for o plano em que estejamos.

Um obrigada não chega para te agradecer, mas encontramo-nos um dia e digo-te, mais uma vez, o quanto és para mim. Recebe-me de braços abertos, como espero que tenhas sido recebido aí em cima!

Até já, avô!

Para sempre, a tua “titita”.