Na década de 90, Reine Pilz, ambientalista alemão, citou o termo upcycling pela primeira vez e marcou o movimento da sustentabilidade para sempre.

Ao fazer uma crítica ao processo de reciclagem – que usava novos recursos mesmo tendo o propósito de reaproveitamento – Pilz reforçou a importância de aproveitar ao máximo os materiais em mãos, antes de recorrer a novos.

Apesar do uso do termo, foi só nos anos 2000, com o livro Remaking the way we make things, de William McDonough e Michael Braungart, arquiteto e químico, respectivamente, que o termo ficou popular e se tornou a solução em voga para um sistema falido de produção em escala desmedida.

Upcycling da moda

O comentário do ambientalista e a menção dos autores não fizeram referência direta à moda, mas hoje, essa indústria – que movimenta mais de 2,4 trilhões de dólares por ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) – é a que mais usa o termo.

O conceito do upcycling propõe a reutilização de um material descartado, aproveitando ao máximo sua qualidade ao gerar uma nova peça inovadora.

É importantíssimo fazer o seguinte recorte: apesar do termo ter surgido nos anos 90 e se popularizado nos anos 2000, o conceito e a técnica de reaproveitamento existem há anos.

Cito aqui Marina de Luca, Coordenadora de Mobilização do Fashion Revolution Brasil para uma entrevista com a plataforma Steal the Look:

Gosto de dizer que esse termo "upcycling" como tendência, refere-se à inclusão dessa prática no fluxo de criação e produção dentro da escala industrial da moda. Ou seja, a utilização de uma prática ancestral como aprendizado para soluções atuais dentro do nosso sistema industrial doente.

A introdução do termo ao dicionário da moda trouxe não só a reutilização de materiais, mas a ideia de conscientização e a urgência do reaproveitamento como parte do processo da moda.

Com o contexto mundial frágil que vivemos hoje, mais do que nunca buscamos, como sociedade, meios que gerem menos consequências aos recursos naturais que temos.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), descartamos, como país, mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano.

Apesar das tendências de upcycling, brechós, reutilização, estilo vintage e outras ideias do movimento circular estarem em alta, a moda ainda tem um apelo gigantesco pelo “estar na moda”, como a própria expressão elucidativa diz.

A moda ainda se alimenta majoritariamente de uma cultura do consumo excessivo que barra muitas vezes a evolução de iniciativas sustentáveis.

Essa característica inata à indústria faz com que o tema de reutilização seja ainda mais relevante, sobretudo os questionamentos acerca das reais intenções dele.

Seria o upcycling apenas uma tendência de customizar jaquetas jeans e compor uma imagem positiva de grandes marcas que pregam uma sustentabilidade que não existe, ou de fato uma cultura sólida que tem o poder de revolucionar o comportamento de consumo?

Sabemos que a mudança individual não altera uma indústria de produção pautada na geração de demanda excedente. Mas é inegável que comportamentos coletivos – compostos por indivíduos – sinalizam o mercado e mudam estratégias de atuação de grandes marcas.

Apesar do natural e importante senso estético de toda tendência de moda, é preciso criar a cultura de avaliar uma tendência além da proposta aparente.

Moda é política, economia, psicologia, sociologia, antropologia e, sobretudo, cultura. Como uma expressão que movimenta uma indústria tão significativa, faz parte de uma educação social conseguirmos enxergar de forma completa práticas como o upcycling e cobrar, como consumidor, a obrigatoriedade dela no mercado.

Não podemos encarar o upcycling como “a menina dos olhos da moda”, mas como parte de uma solução de conscientização do nosso papel no mercado de consumo. Temos participação ativa nisso e precisamos reivindicá-la.