Edward Thorp era fascinado por jogos de azar, especialmente por jogos de roleta e Black Jack, também conhecido como vinte e um. Mas também era um grande físico, com conhecimento de matemática e interesse em aplicá-los para descobrir uma estratégia eficiente que permitisse obter ganhos significativos nos jogos. E, de fato, Thorp desenvolveu uma estratégia extremamente eficiente para o jogo de Black Jack. Posteriormente, este excelente físico concentrou seus estudos no mercado financeiro. Thorp foi muito bem-sucedido em desenvolver um método matemático para a precificação de warrants, uma espécie de opções de ações emitida diretamente pela empresa cujas ações estão sendo oferecidas como opções.

O sucesso de Thorp com os warrants, e outras contribuições, o levaram a criar a empresa Princeton-Newport Partners, um dos mais bem-sucedidos fundos de hedge de Wall Street, em parceria com Jay Regar. A partir de então, a figura do Quant se torna cada vez mais popular. Inúmeros fundos de hedge foram fundados por físicos e matemáticos, ou passaram a contar com esses profissionais em suas equipes de analistas.

Muitos outros físicos e matemáticos deram contribuições relevantes para a compreensão dos movimentos do mercado financeiro e para a consolidação da figura do analista quantitativo. Como exemplos, temos Fisher Black e Myron Scholes, responsáveis pelo modelo de black-scholes de precificação de opções, Harry Markowitz, que elaborou um importante modelo de otimização de portfólios, baseado em uma equilibração entre retorno e volatilidade, Didier Sornette, físico francês responsável pela descoberta de oscilações logarítmicas, indicador da iminência de eventos catastróficos como crashes em mercados financeiros. Com base em seus modelos, Sornette previu as crises financeiras dos anos de 1997 e 2008. Jim Simons, um dos criadores da Teoria de Chern-Simons, de Teoria Quântica dos Campos, foi criador de um dos mais bem-sucedidos e consistentes fundos de investimentos de Wall Street, mantendo um ritmo elevado de crescimento pelos quase quarenta anos de existência.

Atualmente, com o big data, que ampliou a disponibilidade de dados financeiros, com a evolução dos computadores e a amplificação de sua capacidade de processamento, e com a emergência da Inteligência Artificial, temos a certeza de que a figura do Analista Quantitativo se tornará cada vez mais frequente, o que não surpreende de já notarmos este movimento de popularização em nosso país.

Obviamente que toda inovação traz consigo uma série de novos desafios, muitos deles imprevisíveis em um primeiro momento. Inclusive, algumas críticas dirigidas aos Quants são resultados das inovações trazidas por esses profissionais. Um exemplo foram os CDOs, derivativos semelhantes aos títulos do Tesouro Americano, sendo, porém, emitidos por empresas privadas, em especial por bancos. Alguns analistas atribuem aos CDOs a responsabilidade pela crise econômica de 2008, que levou enormes bancos como o Lehman Brothers a abrirem falência. Bem, nenhuma história é feita só com vitórias. A crise de 2008 está longe de mostrar que modelos matemáticos não se aplicam à economia. Antes, a crise aponta para a limitação natural de modelos matemáticos e da constante necessidade de revisão e aperfeiçoamento. Um modelo é válido até o momento em que suas premissas deixam de ser válidas.

Algumas reflexões filosóficas acerca da análise quantitativa

Esta breve revisão histórica nos permite extrair uma série de percepções sobre a evolução do conhecimento científico. A tese de Bachelier, embora representasse um grande avanço, com a aplicação da estatística e da matemática ao mercado financeiro, não foi bem recebida pelos seus pares. Podemos dizer que ela sofria de excesso de originalidade, não sendo bem compreendida, ou bem aceita, pela comunidade científica da época.

Em seu livro A estrutura das revoluções científicas, Thomas Kuhn expõe algumas características da chamada ciência normal, que nos permite compreender a reação dos acadêmicos da época quanto à tese de Bachelier. Segundo Kuhn, a ciência normal consiste na solução de quebra-cabeças dentro de um paradigma vigente. As revoluções científicas são eventos raros, que somente ocorrem quando se acumulam grandes quantidades de anomalias, isto é, quebra-cabeças que não podem ser resolvidos dentro do paradigma. Kuhn ainda afirma que o apego a um paradigma pode ser motivado por fatores não racionais, como crenças pessoais ou ideologias políticas e mesmo a vaidade dos pesquisadores. Isto nos leva a concluir que a tese de Bachelier, embora brilhante e inovadora, não encontrava encaixe nos paradigmas vigentes em sua época. O mercado de ações não era considerado um assunto sério o suficiente para atrair a atenção dos matemáticos do início do século XX.

A mudança de contexto surge após a segunda guerra mundial, que mostrou ao mundo, de forma direta, pelo Projeto Manhattan, e indiretamente, pelo sucesso de empresas como a Du Pont, a relevância que a pesquisa de base pode ter para o progresso de toda uma nação. Ficou evidente para os governos nacionais como as ciências poderiam provocar um impacto positivo no crescimento econômico e, até mesmo, em questões de defesa nacional. Este evento histórico de grande relevância provocou o aparecimento de novos paradigmas na pesquisa científica, com uma grande valorização de ciências básicas e aplicadas atuando no ambiente empresarial. É nesse novo cenário geopolítico e cultural que observamos a redescoberta do trabalho de Bachelier e a inserção de físicos, matemáticos e estatísticos no mercado financeiro, muitos, inclusive, criando fundos de investimento de grande sucesso.

No estágio atual, aliados aos conhecimentos de matemática, física e estatística, temos visto a ciência da computação cada vez mais relevante nas áreas de investimentos e finanças. Na verdade, podemos ir além e afirmar que computadores se tornaram ferramentas imprescindíveis para o progresso científico. Devido à grande complexidade dos problemas tratados atualmente por físicos e matemáticos atingiu um nível tão elevado que não há mais como tratar tais problemas sem o auxílio de computadores. A introdução das ciências da computação nas ciências da natureza representou, por si só, um novo paradigma para o método científico.

Ainda mais recentemente, com o desenvolvimento da inteligência artificial, a tendência é que a ciência da computação se torne ainda mais atuante na pesquisa dos mercados financeiros. Novos modelos, novas abordagens e, provavelmente, novos produtos financeiros devem surgir como resultado das atividades dos analistas Quant. Obviamente, toda novidade traz junto consigo novos desafios, novas dificuldades. É bem provável que não sejamos capazes de prever tais dificuldades. Mas, esperamos que sejamos capazes de desenvolver estratégias eficientes para enfrentá-las.

O advento do analista quantitativo nos ensina ainda outra importante lição. Como vimos, físicos e matemáticos, com formação voltada para a academia, por fim, deram importantes contribuições para o mundo das finanças, para o mercado empresarial. Isso nos mostra que, cada vez mais, se exigirá dos profissionais do futuro uma grande capacidade de adaptação e de incorporação de novas tecnologias e novos conhecimentos. Isso impacta diretamente o mercado de trabalho, mas também exige que os sistemas de ensino se adequem às exigências do mercado.

Assim, podemos observar que o progresso científico muitas vezes é influenciado por fatores externos à comunidade científica, como foi o caso da Segunda Guerra Mundial. Por sua vez, o progresso científico conduz a mudanças profundas na sociedade, permitindo, por exemplo, a emergência de novas carreiras, assim como a extinção de outras. Não é possível compreender os avanços científicos sem analisar a história e os diversos contextos sociais em que os avanços ocorrem. Por sua vez, para a compreensão da sociedade, é fundamental reconhecer como esta pode ser moldada a partir dos avanços científicos.