Durante os anos Sessenta do século passado um historiador da ciência holandês chamado Reijer Hooykaas (1906-1994) – um grande amante da cultura portuguesa – se referiu ao trabalho náutico desenvolvido por D. João de Castro (1500-1548) como Science in Manueline Style, ciência no estilo manuelino, estilo decorativo também conhecido como gótico português tardio (1).

Hooykaas defendia então que a ciência portuguesa do século XVI representada pelo navegante e vice-rei do Estado da Índia manteve uma grande analogia com a arquitectura gótica de estilo manuelino executada em Portugal durante o reinado de D. Manuel I. Da mesma forma que os prédios de estilo manuelino caracterizavam-se pela incorporação de novos elementos ornamentais sobre uma estrutura de tradição medieval, os estudos sobre o magnetismo terrestre de Castro, e mesmo a botânica de Garcia de Orta ou as matemáticas de Pedro Nunes ofereciam novos dados procedentes da nova informação geográfica, mas no entanto tinham as suas raízes na tradição medieval.

Além da crítica implícita que está presente na tese de Hooykaas sobre as Descobertas portuguesas, a sua admiração sobre o impacto que as ciências e as notícias da expansão tiveram sobre a arte do reinado de D. Manuel I e nos primeiros anos do reinado de D. João III prolonga-se até os nossos dias. Nunca antes uma revolução geográfica e científica como a que causou a expansão ultramarina portuguesa tinha tido um impacto tão notório dentro do seu próprio estilo artístico. Basta com olhar não só para as esferas armilares, os globos terrestres, as plantas e os animais exóticos, mas também para as velas, as cordas, as roldanas, as algas e os corais que aparecem esculpidos no exterior da Torre de Belém (1519) e do Mosteiro dos Jerónimos (construído ao longo do século XVI) – ambos em Lisboa – ou a chamada ʽJanela de Tomarʼ (ca. 1510) do Convento de Cristo, em Tomar. Os exemplos repetem-se ao longo da geografia portuguesa e são umas das fotografias mais solicitadas pelos turistas que chegam a Portugal de todo o mundo. Este foi sem dúvida uns dos grandes contributos culturais de Portugal durante um episódio dourado da sua história.

Parece-nos fascinante imaginar hoje aos irmãos Diogo e Francisco de Arruda, Diogo de Boitaca, João de Castilho ou Jerónimo de Ruão – todos eles representantes do estilo manuelino ‒ no Terreiro do Paço e na Ribeira das Naus tentando interrogar aos pilotos da Índia para obter informação fidedigna sobre aquilo que viram além-mar. Como é se não que estes arquitetos trasladaram a informação do mundo náutico e natural para a pedra? Foram eles a bordo dos navios? Pouco se sabe com certeza. Entretanto, se não o tiver feito com anterioridade, o leitor fica convidado a realizar este exercício de imaginação histórica quando na sua visita ao antigo Portugal estivesse posicionado frente a uma dessas jóias da expansão. Boa viagem!

Nota
(1) Reijer Hooykaas, Science in Manueline Style, in Armando Cortesão e Luís de Albuquerque (ed.), Obras Completas de D. João de Castro, vol. IV, Coimbra, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1981, pp. 231-426.