Os anos 70 tiveram um grande impacto na vida económica ocidental, dando início a dois regimes gémeos: financeiro e político, liberalismo e globalização. Em Manhattan, o grande símbolo da união entre estes dois regimes foi as Torres Gémeas, como descreve Koolhaas: “1972 é um ano de viragem: as torres são entregues no exato momento em que a paixão de Nova Iorque pelo novo se esgota”(1). Este foi também um ponto de viragem para a profissão de arquiteto, que dependia agora da iniciativa privada e se debatia com a economia de mercado.

Entretanto, durante esta década, Nova Iorque é o palco do espetáculo decadente de crime organizado, droga, de crises sociais e financeiras. Em 1977, numa tentativa de salvação da cidade, é lançada a campanha “I ♥ NY”, enfatizando as possibilidades da vida urbana e frenética de Nova Iorque, autoproclamando-a o centro do mundo, pelo menos do ocidental. Em consequência, num ato de patriotismo cego, ou delirante, os arquitetos de Manhattan reapropriam-se das “caraterísticas mais óbvias da arquitetura pré-Segunda Guerra Mundial da cidade”(2). Uma velha cidade nova desenvolve-se. Segundo Koolhaas: “uma arquitetura de “shots” de dinheiro”(3).

Em 1978 Koolhaas publica o seu manifesto retroativo “Delirious New York”, oportunamente chamando a atenção para a relação constante, ao longo dos séculos, entre a cidade e o novo. Neste manifesto Koolhaas assume o seu fascínio pela modernidade e urbanidade, retratando na sua obra a evolução de Manhattan desde a sua “pré-história” – antes da ocupação europeia – assumindo-a como uma experiência de modernidade. Uma ilha pioneira não só nas problemáticas que hoje afetam as principais capitais do mundo, mas também nas tentativas de resolução, ou pelo menos de estagnação, do caos que alberga.

É em Cony Island que surge a “primeira manifestação de uma maldição que perseguirá a profissão arquitetónica para o resto da vida: a fórmula “tecnologia + papelão (ou qualquer outro material frágil) = realidade”(4), posteriormente apelidada por Koolhaas como “Junkspace”.

O urbanismo evoluiu, saímos dos parâmetros tradicionais para adaptá-lo às cidades modernas, que não permitem que se construa um urbanismo “pormenorizado”, pensado ao mínimo rigor e calculado espaço a espaço. Deixa de se dar importância a especificidades e tecnicidades e passa se a dar valor à flexibilidade, mutação, transformação e congestão. Para Koolhaas, aquilo que é estético define-se precisamente por um conceito delirante de urbanismo, um urbanismo inexistente que reivindica a ideologia, o contexto e o espaço como lugar. O “belo” arquitetónico é apresentado de forma bastante generalizada – arquitetura autista -, o edifício situa-se à margem de qualquer colaboração formal, este não quer relacionar-se com nada, tal como todo o congestionamento de trânsito que se limita a atravessar a cidade – cidade como local de fluxos (pessoas, capitais, energias).

Atualmente estamos a assistir a um esgotamento estético das paisagens e a uma alteração radical do domínio público através da televisão e dos meios de comunicação e de toda uma série de outras invenções. Surgem novas paisagens urbanas, figurações surpreendentes produzidas pelos novos princípios estéticos – exploram os limites da técnica e dos materiais quase sem restrições, inclusive orçamentais. Criam-se espaços intersticiais sem forma que pretendem unificar mas que na realidade apenas delimitam barreiras – espaços que não criam a perfeição e a harmonia, apenas interesses (Espaços-Lixo).

O “delírio” – quer do urbanismo quer da própria cultura norte-americana -, assume o gosto pelo fascínio da tecnologia, da publicidade: o urbanismo é comparado à propaganda de publicidade da Coca-Cola, pura ideologia espetacular. O prazer estético para Koolhaas não é imediato, mas é dependente de, e afetado por processos do pensamento - a cidade genérica é o resultado e consequência do urbanismo delirante. Segundo Koolhaas, a verdadeira promessa da condição metropolitana está na cultura da congestão – talvez uma congestão descongestionada –, na qual se cria um urbanismo despudor, que procura um rumo junto da desmaterialização, amado numa relação diretamente proporcional à sua provocadora falta de aversão por si mesmo, respeitado exatamente na medida em que foi longe demais – êxtase perante o urbanismo.

O “delírio” estético de Koolhaas é assumido através da racionalidade instrumental, precisamente porque é um caminho para o imprevisível, para o disparate - o “delírio” é fantasia, ciência e brincadeira. Um arranha-céus assume-se como algo sublime e anárquico e quanto maior o número de andares empilhados ao redor do fosso do elevador, mais espontaneamente se solidificam numa forma única. Para Koolhaas, este é o delírio da boa arquitetura urbana: um utilitarismo desenfreado, que deixa de ser estático para passar a ser mutante.

Notas

(1) KOOLHAAS, Rem – Content, p.44.
(2) Ibidem, p.238.
(3) Ibidem, p.238.
(4) KOOLHAAS, Rem – Nova York Delirante, p.65.