“Entering, looking, being, sleeping, eating in a house” - Daniel Liebeskind

O ano é 1923. No topo da página de um livro, uma fotografia do Partenon ateniense; um pouco abaixo, uma imagem do requintado Delage Grand-Sport, coqueluche automóvel de 1921. A unir as duas imagens, um desafio explícito na comparação sugerida pelo autor: “O mundo não seria bem melhor se os edifícios fossem cada vez mais como este automóvel?”.

Como o caro leitor adivinhou, refiro-me ao arquiteto Charles-Édouard Jeanneret-Gris, Le Corbusier para os amigos, e ao seu incontornável livro “Vers une architecture” (“Por uma arquitectura”, na versão em língua portuguesa). Para além do conteúdo da comparação entre estas duas imagens - a ideia de que a arquitetura do século XX deveria abraçar os métodos da standardização racional -, a atitude editorial de Le Corbusier destacou-se pela assertividade da forma de comunicação e pela sua acutilância propagandística. Colocando a questão noutros termos, pode dizer-se que se o nome deste arquiteto não lhe é familiar, decerto não será por falta de esforço do próprio em criar o que, hoje em dia, se designaria por buzz, ou wow factor, ou qualquer outro termo vagamente anglófono desta família...

Le Corbusier fez explodir, no início do século XX, o fenómeno de massificação da arquitetura, não só em termos literais, pela hegemonia do chamado Movimento Moderno no crescimento da maioria das cidades do mundo na primeira metade do século, mas também pela repercussão social que as discussões sobre a disciplina passaram a ter. O arquiteto franco-suiço misturou um cocktail de erudição clássica, ímpeto propagandístico e imagens apelativas cuidadosamente encenadas, conseguindo o máximo de exposição possível para as suas propostas. Atualmente, a fórmula mantém-se eficaz, ainda que as proporções da receita se tenham, eventualmente, alterado.

Esta prática não foi uma invenção do século XX; Andrea Palladio já havia recorrido, quatrocentos anos antes, a uma intercalação inteligente entre o texto tratadístico clássico e aquilo que poderíamos elogiosamente apelidar de descarada auto-promoção dos seus projetos, nos seus “Quatro livros da arquitetura”. No entanto, a expansão da arquitetura para as mais diversas plataformas públicas só seria exponenciada pelas condições do Novecento, com a velocidade de industrialização, a profusão dos mass media e o generalizado aumento da massa crítica.

Mas enquadremos esta atitude num cenário contemporâneo, como exercício crítico: será que Le Corbusier seria bem sucedido a “vender” a sua obra no Facebook? A que público se dirigiria? Como seriam os vídeos que colocaria no seu canal de Youtube ou Vimeo? Será sequer possível terminar a frase “A arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz” dentro do tempo de uma Pecha Kucha?

O curador e editor Davide Tommaso Ferrando explora o modo como o discurso dos arquitetos contemporâneos, especialmente os denominados star architects, se constrói nestas plataformas de divulgação. Interpretando as estratégias de comunicação utilizadas, a linguagem escolhida e os maneirismos presentes, sugere que os escritórios de arquitetura cada vez mais se apropriam do mesmo tipo de estratégias de marketing desenvolvidas no mundo da publicidade. Desde o uso de slogans ao destaque de palavras-chave, passando pelo recurso a vídeos promocionais elaborados, todos os meios são úteis para plantar o entusiasmo quanto ao novo produto na mente dos potenciais consumidores.

Mais do que puras objeções de princípio (efetivamente, o que haverá de negativo na divulgação eficaz do trabalho de determinada empresa?), será útil criticar metodicamente o conteúdo destas mensagens. Se é verdade que há diferentes tipos de linguagem para cada tipo de plataforma de divulgação, também será válido pensar que, apesar de tudo, a arquitetura não se delimita pelo número de vezes que o “botão de like” é premido.

A capacidade de criar empatia imediata é o primeiro passo do sucesso de qualquer campanha publicitária. Assim se compreende, por exemplo, o impacto de uma plataforma como o Facebook e a sua utilidade na aferição do “valor” de determinado conteúdo, marca ou entidade. A própria premissa do referido “botão de like” é brutalmente esclarecedora: este obriga-nos a decidir, instintivamente, se determinado evento cairá rapidamente no esquecimento ou não. A “cultura do preto e branco” instalou-se, sem tempo para tons acinzentados.

Como tal, ao assistir a momentos como a titubeante descrição que Daniel Liebeskind faz de um dos seus mais recentes “seres vivos”, a Villa Liebeskind (a homonímia não deixa de ser interessante), interrogo-me: o que se ganha ao reduzir a arquitetura a um soundbite? E, em última análise, o que é que a própria arquitetura ganhará ao ver diminuída a sua área (a sua massa?...) cinzenta?