A Casa dos Vinte e Quatro representa um exemplo atual da interpretação da memória, do contexto e da materialidade, encarados como factores cruciais na concepção de uma arquitetura sensível ao tempo e à circunstância, equilibrando o novo gesto e pensamento na compreensão dos valores e princípios que sustentam os exemplos de outrora, nomeadamente a ruína que corresponde à raiz e à razão do nascimento desta obra singular. Ao afirmar a importância da ruína como matéria e instrumento de criação na arquitetura contemporânea, Fernando Távora comprova como testemunhos do passado podem ser, em definitivo, fontes válidas e disponíveis para a resposta a necessidades e programas distintos da sua verdadeira origem funcional. O significado de ruína em arquitetura remete, de certo modo, para o estado intermédio no movimento de regresso da matéria com que se construiu o edifício ao seu estado primitivo de natureza. No caso concreto, a ruína é assumida como fragmento disponível e operativo à transformação e incorporação em novo momento temporal e espacial. A Casa dos Vinte e Quatro resulta da fusão de dois corpos distintos, cada um inscrito na sua memória, contexto e materialidade, ou seja, diferentes “tempos” vertidos num só momento temporal e espacial. Esta marcação distinta de tempos traduz-se concretamente na relação directa entre a ruína (corpo/fragmento) e a nova construção (corpo/complemento), gerando ambos novo corpo arquitetónico. A consciência do tempo revela-se como ferramenta crucial para a resolução deste projecto peculiar, no confronto entre a ruína/fragmento e a construção/ complemento, que remete para a relação entre actualidade e perenidade, entendida como elemento chave para alcançar uma arquitetura íntegra e profundamente enraizada na sua circunstância envolvente. A ruína existente era composta por um conjunto de paredes de pedra com espessuras variáveis entre 1,10m, outra com 0,70m e ainda uma com 0,40m. No conjunto destas paredes resulta um espaço interior de configuração irregular, que não permitia prever a configuração exata da planta original da Casa dos Vinte e Quatro. Fernando Távora adicionaria a esta escassa informação, a descrição presente no documento antigo relativo aos antigos Paços do Concelho que remete para a existência de uma torre com cem palmos de altura. Sobre estas referências do passado, Fernando Távora constrói a sua visão do futuro: apoiando-se no quadrado como módulo base de composição para as novas formas e na utilização do palmo como unidade de medida (cuja imagem esculpida na placagem de pedra relembra a mão aberta de Chandighar de Le Corbusier) entrelaçam-se tempos, formas e espaços. Este entrelaçamento de tempos resulta claro e assumido no modo como a ruína é interpretada.