A casa representa o local onde o habitante situa a sua vida para a criação de um lar. Torna-se conveniente distinguir os conceitos de “casa” e de “lar”. Existe uma preocupação por parte dos arquitetos com o espaço, a ordem, a estrutura, os materiais, a cor, a luz, etc., deixando de parte o lado mais subtil, e os aspetos mais difusos e emotivos que o termo “lar” simboliza.

A casa é um lugar concreto, pessoal e íntimo. Este reduto “pessoal” constitui, por sua vez, o domínio onde o morador é todo-poderoso: portas para dentro, somos donos e senhores. No nosso reino, transformamo-nos em “divindade criadora”, capaz de ditar as leis e estabelecer um novo mundo, um mundo próprio, dentro do próprio mundo.

O lar é a habitação individualizada, uma expressão da personalidade e dos modos de vida – integra memórias, imagens, desejos, temores, passado e presente –, comportando um conjunto de rituais, ritmos, pessoas e rotinas quotidianas, que se assumem como o reflexo do habitante, dos seus sonhos, esperanças, dramas e memórias. O habitante é quem há-de definir a sua própria vida dentro da casa, com o intuito de aí formar um lar. É o destinatário final, aquele para quem se constrói e o que viabiliza a existência do espaço doméstico, será aquele que tomará posse da casa, manipulando-a e utilizando-a, de forma a adequá-la ao seu modo de vida e a preenche-la de significado. Como referiu o poeta francês Noël Arnaud: “Sou o espaço onde me encontro”.

O lar é uma experiência intrapsicológica e pluridimensional, difícil de descrever de forma objetiva. Habitar implica psique e alma, para além das qualidades formais e quantificáveis. A psicologia revela-se um instrumento de especial relevo para a compreensão e interpretação do lar; a essência do lar, na sua dupla função de espelho e suporte da psique do seu habitante, tem sido representada mais amiúde na poesia, literatura, cinema ou pintura do que na arquitetura. A questão que se coloca aos arquitetos é se o “lar” pode ser expressão arquitetónica, ou se este remete para uma noção que tem mais que ver com a psicologia, a sociologia ou a antropologia, em detrimento da arquitetura.

O que é certo, seja qual for o caso, é que é o habitante que há-de construir o seu próprio mundo, definido em maior ou menor grau, e passar a ser um sujeito ativo no processo de afirmação do ambiente que o rodeia.