É tempo para que todos e todas se divirtam, emocionem-se e assistam, durante trinta e dois dias (de 12 de junho a 13 de julho), à festa do maior evento futebolístico mundial: a Copa do Mundo da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) de 2014.

Este belo e rico espetáculo esportivo e cultural traz também um show de Arquitetura. Sim, posto que muitos espaços e monumentos foram criados para o evento que, nesta edição, acontece em doze cidades sede espalhadas pelas cinco regiões geográficas brasileiras. Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Recife e Salvador são as capitais que recebem os jogos da Copa, com seus estádios construídos ou requalificados especialmente para a ocasião.

Devido às dimensões continentais do Brasil, a maior distância entre dois estádios chega a quase 3.200 km, em linha reta, que é o caso da Arena da Amazônia, na região Norte do país e a Arena de Porto Alegre, situada no estado do Rio Grande do Sul, o qual faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. Daí a diversidade cultural, de clima e de paisagem que tiveram influência na concepção dos seus projetos arquitetônicos.

Nos anos de preparação do país para receber o evento, as opiniões ficaram divididas e a natural empolgação deu lugar a questionamentos e protestos. Das ruas às redes sociais, a polêmica em torno da construção dos estádios foi, sem dúvida, o ponto mais crítico de todo o processo. A questão chave sempre foi a pertinência da realização de um evento dessa magnitude, com os altos custos envolvidos, considerando-se a possibilidade do carreamento de tais recursos para outras áreas, como Educação e Saúde. Mas, em um país com tamanhas carências infraestruturais, o legado que a Copa do Mundo deixa justifica cada centavo investido… Destacam-se aeroportos, portos, obras para requalificação e ampliação da malha viária existente, construção de novos equipamentos urbanos, entre tantas outras ações que foram desenvolvidas. E quanto aos estádios… Como fazer uma Copa sem eles?

De “ponta a ponta” do país, a Copa do Mundo 2014 literalmente “mexeu” com as estruturas das cidades sede. Um vídeo do Ministério do Esporte por exemplo demonstra o conjunto das obras em todo Brasil. São projetos variados, com partidos arquitetônicos também diversos, mas todos, como não poderia deixar de ser, atendem às exigências do manual de requerimentos técnicos da FIFA. Desde o número de assentos individuais numerados: 60.000 lugares no estádio de abertura da Copa (Arena Corinthians, em São Paulo), mais de 80.000 para o de encerramento (o Maracanã, no Rio de Janeiro) e, para os demais, no mínimo 40.000 lugares, todos assentos com, no mínimo, 30 centímetros de altura. Largos corredores de entrada e saída, a fim de evitar dificuldades de circulação e problemas de segurança. Tribunas de imprensa bem equipadas, banheiros em número adequado (necessário dizer?), qualidade do gramado, da infraestrutura de apoio, como também a existência de hospitais e estacionamentos nas proximidades das arenas, passando pela preocupação com a sustentabilidade socioambiental.

O padrão FIFA, como se convencionou chamar, transformou-se, no dizer das pessoas, no dia a dia das ruas do Brasil, em sinônimo de boa qualidade, como um default. Festa padrão FIFA, casamento padrão FIFA, viagem padrão FIFA… Tamanha a consciência da especialidade exigida na construção das arenas e demais obras da Copa, a exemplo da busca ao atendimento ao disposto no Green Goal, o programa da FIFA para a redução do consumo de água, energia elétrica e das emissões de CO2 em seus eventos.

O plano engloba quatro áreas: Transporte, Redução de Resíduos, Água e Energia Elétrica (apesar da energia que se consome no país já ser uma energia limpa, proveniente de hidrelétricas). Isso é demonstrado na priorização do uso do transporte coletivo, da aplicação de materiais recicláveis nas construções e na busca de reduzir, ao máximo possível, a geração de resíduos. Quanto à questão social, um importante ponto é a valorização da cidade através de intervenções físicas e infraestruturais, como um conjunto harmônico, de modo a funcionarem como indutores de desenvolvimento.

Muito haveria a se comentar sobre tudo que foi dito e feito “para” e “contra” a realização da Copa no Brasil, mas, neste momento, em que os olhos e as atenções estão voltados para os palcos deste grande espetáculo esportivo, o objetivo deste artigo é lançar um olhar de apreciação sobre as características marcantes de algumas arenas, que trazem o traço da cultura local. Em especial, sobre aquelas que têm sido apontadas pela organização do evento, pelos torcedores e pela mídia, como as mais belas. Queremos falar de beleza e de como foi captada e traduzida a diversidade cultural brasileira nos espaços coletivos das Arenas da Copa. E, ao observarmos sob uma perspectiva arquitetônica (sem trocadilhos), com um olhar sensível, chegamos à conclusão que, de fato, em vários estádios, alcançou-se um grande sucesso ao se transpor, para o projeto arquitetônico, elementos e ícones da cultura e da paisagem brasileiras, o que lhes concedeu muita singularidade e beleza.

Vários canais de consulta à população quanto à mais bela arena foram abertos. Concursos online em sites brasileiros e estrangeiros mantém um razoável consenso. Um dos concursos mais visitados pelos brasileiros é o de um provedor de conteúdo, que permanece online (1).

No entanto, de acordo com o ranking de beleza do Comitê da Copa, em ordem decrescente, aparecem as arenas de: Natal, Manaus, Recife, Fortaleza, Cuiabá, Curitiba, Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo.

Falemos das três primeiras.

Arena das Dunas

A Arena das Dunas, em Natal, construída no local no qual existia o Estádio “Machadão”, e de autoria da empresa norte-americana Populous, está situada às margens de uma das principais avenidas da cidade de Natal e chama a atenção dos passantes pelo elaborado desenho de suas fachadas. A coberta branca, estruturada por treliças de aço, configura-se em forma de 20 grandes “pétalas” que circundam o gramado, abrigando as arquibancadas. As linhas curvas da coberta, em telhas de alumínio, com tratamento térmico e acústico, apresenta-se mais alta em uma das laterais do estádio, criando um efeito que remete ao movimento das dunas formadas pela ação dos ventos sobre as areias brancas das praias da região.

Sob o ponto de vista da sustentabilidade, um destaque é a solução de captação das águas pluviais pelos telhados, as quais são destinadas a nove reservatórios situados abaixo das arquibancadas, o que permite sua utilização para irrigação dos gramados e utilização nos banheiros.

São 2.671 vagas de estacionamento, 29 quiosques de alimentação, 42.000 lugares demarcados por assentos azuis. Uma inspiração na cor intensa do mar em Natal que, em contraste com a coberta branca, fecha o jogo visual da “água do mar” e das “areias das dunas”.

Um detalhe que conferiu mais leveza ao projeto foi o material utilizado na união entre as “pétalas”. O fechamento desses espaços é feito com um policarbonato translúcido, o que “soltou” os componentes uns dos outros, permitindo a passagem da luz.

Arena da Amazônia

A Arena da Amazônia, projeto do arquiteto Ralf Amann, do escritório alemão GMP Architects, que ganhou notoriedade mundial por projetos como o do belo estádio “ninho de pássaro”, das Olimpíadas de Pequim, pode abrigar até 42.377 espectadores e foi construída no local antes ocupado pelo Estádio Vivaldo Lima, conhecido como “Vivaldão”.

A arena está localizada no coração de Manaus, em frente a uma de suas principais avenidas. Possui 17 quiosques e 61 camarotes. Igualmente à Arena das Dunas, também possui sistema de captação de águas de chuva, muito abundantes em Manaus, devido ao clima tropical úmido da região.

Próximo às arquibancadas, existem brises fixos para melhorar a circulação natural do ar, a fim de minimizar o calor da região no interior da arena e, também, reduzir o consumo de energia em ventilação artificial. A coberta, que foi montada sobre estruturas de aço em forma de X, vindas de Portugal, é composta por 252 painéis de teflon e fibra de vidro, que garantem sua incombustão, maior durabilidade e reflexão da luz do sol.

A concepção do projeto teve inspiração em um objeto popular. Um ícone da “alma” cabocla e da tradição indígena: o “paneiro”, que é um cesto de palha trançada de palmeira, de formato cilíndrico, utilizado no transporte e acondicionamento de alimentos como a farinha, o açaí etc. No caso da arena, a ideia é de um cesto cheio de frutos coloridos, daí a cor dos assentos nas cores vermelho, amarelo e laranja.

Em uma música popular do folclore amazonense, colhida no município de São Paulo de Olivença pelo grupo cultural Raízes Caboclas, vê-se traduzida a significância do elemento que inspirou a concepção do projeto arquitetônico, para a população: “Paneiro é coisa comum/Em todo barraco tem/Não custa muito dinheiro/Nem custa fazer também/Mas quero levar comigo/Pra sempre no coração/A lição que o paneiro ensina/Como é bela a união”. É, portanto, emblemática, a construção do partido arquitetônico da arena de Manaus, cidade próxima à Floresta Amazônica, por trazer em si o traço da cultura dos moradores da maior floresta tropical do planeta.

Arena Pernambuco

Localizada no município de São Lourenço da Mata, integrante da Região Metropolitana do Recife, a área de implantação da Arena Pernambuco traz um componente que a diferencia dos demais estádios da Copa, pois possui um entorno caracterizado por mata nativa, pelo Rio Capibaribe (que corta a cidade do Recife), outros pequenos cursos d’água e, inclusive, por área de preservação ambiental. As demais arenas estão incrustadas em regiões urbanas, com seus terrenos se limitando com outras construções. Em Pernambuco, o relevo do local contribui para que se tenha uma ampla visão da Arena, uma vez que ela se situa em uma região baixa e, à chegada do visitante, pela rodovia federal situada na parte mais alta do terreno, a vista do edifício é quase total, numa perspectiva bastante aberta.

É, possivelmente, dos projetos mais sustentáveis dentre as arenas. Possui sua própria usina de energia solar que hoje tem capacidade para gerar 30% da energia consumida no estádio.

O projeto, construído para 46.000 espectadores, é do arquiteto Daniel Hopf Fernandes, da Fernandes Arquitetos Associados e a obra foi concluída em 2013. Em suas fachadas, observa-se um jogo de reentrâncias e saliências, que fazem lembrar o trançado de fibras naturais da cestaria popular do Nordeste do Brasil. Os 24,5 mil metros quadrados foram revestidos com Etileno Tetrafluoretileno (EFTE) importado da Alemanha, diferentemente da proposta original que previa luzes de LED colorido sob uma fachada de vidro, similar às do Cubo d’Água, da Vila Olímpica de Pequim. Segundo noticiado, a alteração teria sido feita devido à pressa para a conclusão da arena para a Copa das Confederações. No entanto, outras informações se referem ao alto custo do material.

Projetado para a Copa, o estádio, com seus 128 mil metros quadrados de construção distribuídos em seis pavimentos, está habilitado a receber eventos de outras naturezas, como festivais, congressos e eventos musicais, podendo funcionar como um Centro de Convenções, além dos eventos esportivos, considerando sua concepção de multifuncionalidade. Possui 4.700 vagas de estacionamento, auditório com 340 lugares, múltiplas salas, 42 quiosques de alimentação e dois restaurantes.

Como esses três belos estádios, muitos outros foram surgindo do chão do Brasil, ainda que entre críticas, dúvidas, histórias e embates e hoje abrigam as partidas da Copa do Mundo… A casa está arrumada, cheia de convidados. A hora é de trazer vida aos espaços projetados para abrigar a alegria e a emoção do futebol mundial e muitos outros eventos no futuro.

O principal componente cultural, aquele que completa o projeto idealizado pelos arquitetos e sem o qual não faz sentido é o público, e este já tem se dirigido aos estádios espalhados pelo país e segue fazendo a festa. O coletivo som de gol gritado por milhares, o ahhhh quase suspirado de um gol que não se confirmou, a alegria e as cores dos adereços dos torcedores do mundo inteiro, são os elementos que surgem para adicionar a magia que falta ao simples espaço construído.

Muitos de minha geração esperaram desde sempre por uma Copa no Brasil. Vou para a Arena Pernambuco, de verde e amarelo, vivenciar a experiência de muitos, de milhares, em torno de um único objetivo.

Como as palhas do trançado indígena dos “paneiros”, como nos grãos da areias das dunas, “quero levar comigo, pra sempre no coração, a lição que o paneiro ensina, como é bela a união”. Povos de todos os cantos do planeta, juntos e unidos, sob a sombra dos belos estádios da Copa do Mundo de 2014, numa saudável disputa. Quanto aos protestos, os meus são de estima e consideração... Boa Copa!

Nota
(1) www.terra.com.br/esportes/infograficos/projeto-estadios-brasileiros

Para mais informações
http://chicobatata.blogspot.com
http://pt.fifa.com/worldcup/destination/stadiums
www.jobsongaldino.com/2014/02/arena-das-dunas-em-natalrn.html