O que faz um museu ser tão bem avaliado pelos visitantes que o torna o “melhor”? Será o acervo? O ambiente? A infraestrutura? A “simpatia”? A versatilidade? Os serviços? A extensão da linguagem artística que sensibiliza leigos e desperta o interesse de estudiosos? Um rigor técnico na escolha, no cuidado e na preservação das obras?... Ou um pouco disso tudo?

Há outros excelentes museus espalhados pelo país, mas quero lembrar uma máxima muito popular no Brasil: “A voz do povo é a voz de Deus”. E, diante disso, não é possível negar a primazia desse rico equipamento cultural no dizer de quem mais justifica sua existência: o seu público! Ao contrário... Falo do museu mais visitado nos estados do Norte e Nordeste do meu país. O melhor classificado na América Latina e o número um do Brasil na premiação Traveller’s Choice Museus 2014, do TripAdvisor.

Esse museu incrível, que não bastasse ter alcançado o destaque latino-americano, ficou na 17ª posição no ranking mundial do prêmio, localiza-se aqui mesmo em Recife, pertinho do meu berço acadêmico: a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Exatamente nesta urbi densa e complicada, que respira tantas belezas e oportunidades e também tantos problemas. Que transpira arte e cultura popular. Atraente e por vezes “maldita” em suas mazelas sociais e urbanísticas, mas ao mesmo tempo cheia de pérolas como o Instituto Ricardo Brennand – IRB.

São mais de 60.000 itens devidamente catalogados e esses números sempre ajudam a conferir maior credibilidade à informação; criam o parâmetro, principalmente para os que gostam de se debruçar sobre estatísticas e isso lhe enche a cabeça, ainda que, por vezes, não se deixem colocar por mais de dez segundos diante de uma obra de arte (permitindo encher-se a alma)...Mas, por que não? O universo é diverso! Desde que um prêmio ou um dado numérico estimule o desejo de ir ver de perto está válida a ação... Mas há também quem se deixe conduzir naturalmente pela história que traz uma obra de arte ou pela curiosidade sobre a trajetória de um achado até sua chegada ao expositor. Pelas emoções que podem gerar a partir do “arsenal” interpretativo pessoal; de seu interior e imaginário...

O reconhecimento de quem de fato vai ao museu me faz lembrar um trecho de uma canção interpretada por Milton Nascimento, quando diz “que o artista tem de ir aonde o povo está”... Ainda que o museu não saia do lugar, essa resposta popular certamente demonstra que o “ente” está conseguindo fazer a arte dialogar com quem o visita, construindo a ponte entre a obra e o observador. E não apenas com quem é estudioso das artes plásticas ou de História, mas também e, principalmente, com o cidadão comum.

O IRB tem atingido o seu objetivo de preservação da História, da arte e da cultura e tem sido brindado com a visita média mensal de sete e 20 mil pessoas a quem é oferecido o serviço de áudio guia nas línguas portuguesa, francesa, inglesa e espanhola.

O idealizador e patrono do Instituto, homem de 88 anos, é Ricardo Coimbra de Almeida Brennand. Industrial, engenheiro de formação pela UFPE, casado, pai de 8 filhos, que demonstra em seu entusiamo a juventude que a o amor pela arte, que é eterna, confere...

No seu dizer, o IRB é “Patrimônio Cultural de Estudos Brasileiros”... E é fato, pois vem sendo prestado à sociedade um serviço de memória e educação a partir da criação de uma entidade sem fins lucrativos que abriu uma coleção particular adquirida ao longo de décadas, em benefício das artes, da cultura e da sociedade.

Na área de educação, o IRB realiza parcerias com escolas, contribuindo para a formação dos jovens, principalmente quanto à História do Brasil Holandês. Outra importante atividade é a realização de intercâmbio com entidades brasileiras e de todo o mundo para estudo, difusão e preservação dos bens desse período histórico. Igualmente, a pesquisa sobre História brasileira e europeia é ponto de interesse do Instituto.

Mas a assistência social também faz parte das atividades de Ricardo Brennand, uma vez que desde 2001, juntamente com sua esposa Graça Brennand, criou uma creche no próprio bairro da Várzea para atender crianças carentes na faixa dos quatro meses aos sete anos de idade, o que diz de um envolvimento e interação com a comunidade local.

Dito tudo isso e deixada clara minha admiração e reconhecimento pela importância do IRB para o nosso cenário, preciso levar o leitor pelo “passeio” mencionado no título... Um passeio por esse presente que a cidade do Recife e o mundo receberam no santo ano de 2002.

A chegada ao Instituto se dá por uma extensa alameda de palmeiras imperiais: a Alameda Antônio Brennand. Quase como passar por um portal, a passagem pelo caminho ladeado pelas altas palmeiras faz deixar para trás quaisquer vestígios de urbano: reduz os ruídos e vai deixando ver a vegetação preservada, os espelhos dágua e facilitando essa viagem cultural...

Ao final da alameda, abre-se uma perspectiva do conjunto de edifícios de influência inglesa, ao estilo da dinastia Tudor. O complexo está implantado em uma colina, numa área de 77.603 m² e tem em seu entorno Mata Atlântica preservada e árvores frutíferas.

O conjunto é constituído pela Pinacoteca, pelo Museu Castelo de São João, Biblioteca, Auditório, Parque de Esculturas e uma Galeria para exposições temporárias e eventos. Em 2014 foi inaugurada também a Capela de Nossa Senhora das Graças, implantada numa área verde de 10.000 metros quadrados e que vem sendo muito procurada para casamentos, pois pode abrigar até 300 pessoas sentadas. Existe também, junto ao estacionamento o IRB, um bloco à parte onde funciona um restaurante aberto aos visitantes.

Todos os edifícios trazem tijolos aparentes. A cor ocre contrasta com o verde do entorno, o que realça ainda mais os elementos construídos. O espaço se configura harmonicamente e o conjunto se espraia através do relevo acidentado, num ambiente quieto, envolto num silêncio que convida à contemplação.

O conjunto arquitetônico do IRB está implantado nas terras do antigo Engenho São João da Várzea, local que no século XVII pertencia a João Fernandes Vieira, um dos líderes do movimento histórico conhecido como “Restauração Pernambucana”, consolidado na expulsão dos holandeses do estado. Essa informação parece até uma ironia do destino, considerando que o Instituto apresenta o maior acervo particular sobre o Brasil Holandês, com exposição permanente relacionada à presença e grande contribuição histórica e cultural dos flamengos para Pernambuco.

As peças expostas no museu cobrem um período que vai do século XV ao XXI. Tão extensa janela temporal e, mais ainda, espacial; considerando a origem nos continentes europeu, africano, americano e asiático tornam o Instituto um local excelente para uma longa “viagem” artística e histórica...

Esse ambiente aprazível e bucólico atrai pela beleza e convida a sentar e observar o tempo passar diante dos olhos. O tempo holandês. O tempo medieval. O tempo das guerras. O tempo de uma tarde de paz para turistas ou para recifenses com seus filhos em férias. Simplesmente, o tempo...

Galeria de arte a céu aberto

A área externa do museu, com cerca de 18 mil metros quadrados, é também uma galeria de arte. Desde a inauguração do IRB inúmeras peças vêm sendo cuidadosamente implantadas pelos jardins e transformam cada canto em uma surpresa...

Na chegada, um par de leões parece proteger o espaço e ao mesmo tempo recepcionar quem caminha do estacionamento para o museu... É comum serem tomadas ali as primeiras fotos pelos visitantes. As esculturas são italianas, do século XIX e pertenceram ao Palácio Monroe, edifício onde funcionou o antigo Senado Federal, no Rio de Janeiro.

No ambiente externo, o entorno do grande lago à entrada do Museu é chamado de “Jardim dos Patos”. Aves, diversas, circulam por seu jardim livremente, enquanto outras, de várias espécies, passam voando e emitindo seus sons característicos.

Recentemente surgiu um ponto focal no largo pátio que recebe os visitantes: como numa preparação para a entrada nos edifícios, uma alva réplica do David de Michelangelo reluz em seu mármore de Carrara sob o sol... Em seus majestosos cinco metros de altura, sobre um pedestal de dois; na “brutalidade” concreta de seus sete mil quilos de matéria, em contraste com a leveza de traços, consegue inspirar o desejo de se dizer, parafraseando o mestre, a famosa expressão: “Parla!”.

O David do Instituto reproduz fielmente a inspiradora obra do mestre de Caprese. Produzida pelo estatuário Cervietti Franco & Cia na região da Toscana, na Itália, o David é uma das cinco réplicas autorizadas do mundo. A enorme escultura está implantada num círculo gramado cercado por bancos, onde os visitantes podem sentar e se deixar ficar. Apreciando a paisagem ou descansando. A presença marcante e clássica do “David” nessa praça cria um microclima artístico dos mais interessantes.

Espalhadas pelos jardins, as obras de arte se multiplicam, como os modernos hipopótamos de bronze com pátina negra, datados de 1996, com 1,20 metros, criados pela escultora Sônia Ebling, que conferem ao espaço um caráter de diversificação das escolas artísticas, para além das clássicas.

Galeria

Construída em 2011 e inaugurada com uma mostra de Michelangelo, possui mais de mil metros quadrados de área em dois salões, uma sala em formato octogonal ligada a uma torre onde se pode ver uma réplica da escultura “O Pensador”, de Auguste Rodin; além de um terraço. O espaço vem acolhendo exposições de diversos artistas e temáticas, a exemplo de “Dores da Colômbia”, de Fernando Botero, montada em 2012.

O edifício também foi construído em formato de castelo e os vitrais que a compõe foram decorados com o brasão da família Brennand. A porta principal veio de uma antiga igreja do estado de Minas Gerais e o ambiente está preparado para as mais diversas exposições e eventos, com toda a infraestrutura e recursos tecnológicos, como controle de umidade e temperatura, alas com sanitários e cozinha industrial.

Recentemente, a Galeria abrigou a exposição “Brecheret - Mulheres de Corpo e Alma – Desenhos e Esculturas” inaugurada em junho passado, que retratou a importância do feminino na obra do escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret, através de 147 peças.

Nascido na Itália, o artista se mudou para São Paulo ainda criança, mas foi em Roma que realizou sua formação e estudos artísticos. Voltando ao Brasil, tornou-se militante contra o academicismo então vigente nas artes. Duas obras entre as expostas no museu tomaram parte na Semana de Arte Moderna de 1922: “O ídolo”, de 1919 e “A Soror Dolorosa”, de 1920.

A Semana, que ocorreu em São Paulo, produziu um movimento que trouxe uma verdadeira revolução para a arte brasileira, através da introdução dos valores modernistas. Brecheret foi um dos mais importantes escultores da arte moderna e contemporânea e ter uma exposição sua no estado foi uma grande oportunidade para os pernambucanos.

A Pinacoteca

Sua inauguração ocorreu em 2002, com a exposição “Albert Eckout volta ao Brasil: 1944 – 2002”, reunindo 24 telas do acervo do Museu Nacional de Copenhagen, na Dinamarca.

É na Pinacoteca também que se encontra o acervo relacionado à presença holandesa no Brasil, incluindo bustos e retratos do príncipe holandês Maurício de Nassau e a coleção que mais toca os meus sentidos e a mais forte expressão do museu em minha opinião: a maior coleção privada do pintor holandês Franz Post, que veio ao Brasil a convite de Maurício de Nassau quando este foi nomeado Governador do Brasil Holandês, no século XVII.

Post foi pioneiro no registro da paisagem na América, retratando um Brasil que se iniciava. Um Pernambuco cheio de matas, rios cristalinos, engenhos de açúcar, negros escravizados e seus senhores, em arrabaldes distantes ou nos locais onde hoje se situa o centro antigo do município do Recife.

O pintor acompanhou Nassau em todas as suas viagens e de sua obra completa, composta por cerca de 160 óleos, todos sobre a temática brasileira e dividida em quatro fases distintas, o IRB detém 20 telas, com exemplares de todas as fases, o que torna a Coleção Brennand muito especial, pela visão mais completa que se consegue ter do artista.

Não há dúvida sobre a importante influência flamenga na formação do imaginário coletivo dos pernambucanos. Os holandeses passaram aqui 24 anos e deixaram uma marca indelével. O passeio pela Pinacoteca diz muito sobre esse período histórico, seja através das obras citadas, seja através de móveis, tapeçarias com elementos tropicais ou achados como moedas e cachimbos usados pelos holandeses.

Na pinacoteca também encontramos telas de nomes como Rugendas, coleção de peças em vidro (Janete Costa e Acácio Gil Borsoi) ou mesmo um conjunto de 48 esculturas em cera, em tamanho real, retratando o episódio político francês envolvendo Luís XIV, conhecido como o Rei Sol, que levou à prisão perpétua o superintendente de Finanças, Nicolau Fouquet.

Biblioteca

Cerca de 60.000 títulos compõem o acervo riquíssmo da Biblioteca do IRB, que possui seu foco no Brasil Holandês e guarda obras raras como o único exemplar do “Pernambucencis”, Leyden – 1642, de Francisco Plante. A obra trata sobre as negociações portuguesas e holandesas e é de autoria do capelão de Maurício de Nassau. Como ela, há muitos outros destaques no acervo bibliográfico sobre essa fase da História do Brasil. O “Brasilianh und Westindianische” REISE –1677 escrito por um soldado da Companhia das Índias Ocidentais que por aqui passou é também um dos mais raros e importantes desse período.

Museu Castelo São João

O Museu de Armas é um capítulo à parte no ambiente do Instituto. Esse bloco reproduz um castelo medieval, dando continuidade à leitura do conjunto de edifícios do museu. Um pequeno bosque à sua frente parece criar o “clima” de viagem no tempo, juntamente com a pequena ponte que se atravessa para a porta de entrada do castelo, sobre as vivas águas correntes que passam... Nele, encontramos armas, tapeçaria, mobiliário, esculturas; enfim, peças de artes visuais e decorativas e utilitários. Apesar de grande, parece ter proporções relativamente reduzidas, pelo enorme acervo que abriga, pois o castelo explode em “incontáveis” (mas devidamente catalogados) elementos de armaria distribuídos em visores iluminados. Centenas? Milhares? Absolutamente impressionante o acervo. São canivetes, lanças medievais, facas, adagas, facões, espadas, espadins...

Segundo consta, teria sido um canivete que ganhou de presente de um tio, aos doze anos de idade, o responsável pelo despertar do espírito de colecionador em Ricardo Brennand. Ter-se-ia iniciado, a partir dessa simples peça (que hoje em dia seria um presente politicamente incorreto para uma criança), a incrível coleção de armas brancas que hoje se pode ver no Castelo São João. A maior do mundo pertencente a um colecionador particular...

Em uma das alas encontramos um pelotão de guerreiros medievais em suas armaduras. Vale parar e observar atentamente os detalhes desse grupo e a montagem da exposição. A cena nos remete a uma batalha perdida (ou ganha!) no tempo: uma cena estática, mas ao mesmo tempo “viva” de significados e dinâmica própria. Cavaleiros montados em seus cavalos trajados com armaduras de estanho carregam lanças; outros soldados, ao chão, empunham bandeiras... Que homens teriam trajado tais armaduras? Em que tempo exato? Em que lugar? Em que batalhas? Morreram em combate? Imaginar as possíveis vivências originais dos antigos donos desses equipamentos e de todos os elementos em exposição pode ser um ótimo exercício, principalmente para quem visita o museu com crianças e quer discorrer sobre batalhas medievais e conversar mais um pouco sobre História... E por falar em crianças, vale apontar, em meio ao grupo, a curiosa armadura para cachorro, datada do século XIV.

E num final de tarde quando as luzes da natureza vão se escondendo, a visita termina. É hora de tomar novamente a alameda com suas marcações verticais, fazendo o caminho de volta. Deixar para trás o museu, levando o desejo de breve retorno a esse espaço que é múltiplo, rico e instigante e que espera seus visitantes todas as tardes, de terça a domingo.

Extensa área verde em intensos tons de arte. Com suas “joias” expostas ao sol ou protegidas da luz e do vento. Jogo de espaço, tempo e cultura. Explosão artística. Espaço plural. É assim que defino o IRB, de modo absolutamente livre, intenso e até poético e que vai do sentimento experimentado na vivência de visitá-lo.

O Instituto adiciona ao cenário local e nacional o quê de uma arte que aproxima. A escolha dos viajantes é um reconhecimento à sua contribuição à cultura mas, principalmente, representa a reciprocidade pela intensa experiência vivenciada: um caleidoscópio de informações visuais e históricas. Um presente para o Brasil e para o mundo.

Links interessantes

Site oficial do Museu
Reportagem sobre IRB