No início do século XX, surge, primeiramente, na Alemanha, um movimento artístico e cultural que busca expressar de forma subjetiva, a natureza e o homem, destacando a expressão dos sentimentos em detrimento da mera descrição objetiva da realidade. Esse movimento ficou conhecido como Expressionismo. A princípio, representado pela pintura, termina por incorporar diversos campos artísticos, como: arquitetura, artes plásticas, literatura, música, cinema, teatro, dança e fotografia. O movimento surge em oposição ao positivismo, associado aos movimentos impressionistas e naturalistas, explorando uma visão mais pessoal e intuitiva, e não apenas uma superficial observação da realidade. O Expressionismo uniu artistas de tendências, formações e níveis intelectuais diversos. Na Espanha, o movimento teve um considerável sucesso, todavia, foi praticado por artistas isolados. José Gutiérrez Solana, um pintor, gravador e escritor espanhol, é considerado o introdutor do movimento expressionista no país.

Filho de Manuela Josefa Gutierrez-Solana e José Tereso Gutierrez-Solana, José Gutiérrez Solana nasceu em Madrid, em uma terça de carnaval, em 28 de fevereiro de 1886. Ele passou a sua infância em Santander e, incentivado por seu pai, começou a estudar com o tio, José Díez Palma, professor de desenho em Salamanca. Seu talento precoce levou-o a abandonar o ensino médio e começar a fazer parte de diversos concursos de pintura. Ele estudou na Escola de Belas Artes de San Fernando (1900-1904) e em 1906 ganhou uma menção honrosa no Salão Nacional de Belas Artes. Entre 1909 e 1917, seus pais se mudaram para Cantabria, assim, o jovem Solana alternava a sua estadia entre Santander e Madrid, e fazia frequentes viagens ao redor de La Mancha, Aragão e Andaluzia, criando esboços e tomando notas. Nesse período, Solana frequentou aulas de canto e desenvolveu uma paixão pela tauromaquia, participando até como peão em algumas touradas, porém após ser atingido por um touro dentro do ringue, decide suspender a sua curta trajetória no mundo das touradas.

No final de 1917, Solana instala-se em Madrid, e a sua presença torna-se habitual nas reuniões do Novo Café Levante e no Pombo Café, onde aproximou-se de outros pintores, escritores e intelectuais da época, como: Ramon Maria del Valle Inclán, Ricardo Baroja, Julio Romero de Torres, Ignacio Zuloaga, Francisco Iturrino, Miguel Anselmo Nieto, José Bergamin, Thomas Borras Salvador Bartolozzi e José Cabrero. Nessa época, Solana já tinha começado a desenvolver o seu próprio estilo, caracterizado como pouco acadêmico e alheio ao avant-garde. Nas reuniões no Pombo Café, o autor retratou parte da Geração de 98, da qual é considerado incluso.

O reconhecimento de Solana não foi algo imediato, os críticos da época rejeitaram, inicialmente, o seu trabalho. A convite de Edgar Neville, Solana, foi residir em Paris. A sua primeira exposição, em Paris, no ano de 1928, se revelou um fracasso. Em outra exposição que contou com a presença de Alfonso XIII, suas pinturas foram penduradas atrás de uma porta à pedido do monarca. Seu primeiro prêmio importante veio em 1929, com a Medalha da Exposição Mundial de Barcelona. Por volta de 1936, junto com o começo da Guerra Civil Espanhola, Gutiérrez Solana torna-se famoso e reconhecido na Espanha e fora dela. Em Paris, ele passou parte da guerra civil espanhola e, foi onde obteve seu maior reconhecimento artístico, captando muito bem o clima cultural da cidade francesa.

Ele é considerado o criador de um expressionismo peculiar e trágico. Em sua pintura Solana exprime uma visão particular, pessimista e deteriorada de seu país. Ele evidencia a miséria de uma Espanha sórdida e grotesca, através de linhas densas e espessas na composição de suas figuras. Sua paleta de cores ressalta a escuridão pela qual passava a Espanha da época, sendo suas cores dominantes o ocre e o preto. Com a sua maturidade pictórica suas cores se tornam mais vivas e harmônicas, contribuindo no aumento da imponência de seus personagens. Suas obras podem ser divididas em torno de três temas principais: festivais, usos e costumes da Espanha e retratos. Ocasionalmente ele utilizava, como modelo para as suas pinturas, fotografias de outras pessoas, por exemplo, em sua obra Cantor Café, ele copia o quadro e parte dos personagens da famosa fotografia de mesmo título de Emilio Beauchy.

Em seu trabalho o tema dos costumes locais é recorrente, consequentemente, ele realiza uma crítica à sociedade com os seus personagens anônimos e ambientes marginais. O traço pessimista que transpõe as feições de seus personagens atados a uma atmosfera macabra, adquire forma pelas cores pretas e amarelas de suas pinceladas. É recorrente em suas pinturas ambientes e cenas típicas da época, como: favelas, tabernas, danças, touradas, portos de pesca, crucificações, procissões, carnavais, cavalos com fome, aleijados, bordéis, ringues de boxe e execuções. Solana era amante de carnavais, cemitérios, hospitais, bordéis, rios. A obsessão que Solana tinha com relação à morte, e com tudo a ela relacionado, é uma evidente influência de “Vanitas” Valdes Leal e de composições barrocas de mesmo estilo, onde vestígios da chegada da morte aparecem refletidos. Todos esses traços fizeram com que este estilo, em particular, fosse classificado como “expressionismo sombrio”.

Alguns dos eventos de sua infância, possivelmente, vieram a moldar o caráter trágico e sombrio de suas obras: a morte de sua irmã no dia de Natal, um primo que morre asfixiado, a morte de seu tio, um acidente com o seu cão, no qual fica cego. Solana mantinha em casa esqueletos, crânios e ossos, revelando desde jovem um grande fascínio pela anatomia humana. Muitos desses elementos aparecem em suas pinturas como uma referência à morte e à destruição. Esses fatos podem explicar, em parte, a sua personalidade introvertida e severa.

Sua arte, apesar da evidente originalidade, é influenciada pelo tenebrismo dos pintores barrocos - em particular, Juan de Valdés Leal - tanto pela temática, como pela composição claro-escuro, além disso, é visível a influência das pinturas de alguns artistas espanhóis, como: Francisco de Goya, Eugenio Lucas, Ribera, Zurbarán, El Greco, Velázquez e Brueghel, o Velho. Todavia, seu trabalho como pintor não se limita aos quadros. O pintor introduziu ilustrações e gravuras de inúmeros livros.

Como escritor, Solana mantém o seu estilo intensamente descritivo, vigoroso e intenso. A maioria de suas obras são livros de viagem. Seus escritos mais significativos Madrid: cenas e costumes (1913 e 1918, dois vols.), A Espanha Negra (1920), Ruas de Madrid (1923), Duas Aldeias de Castilla (1925), textos sobre Paris e vários fragmentos. Em 1926, ele publicou o seu único romance: Florencio Cornejo. Seus trabalhos literários exprimem uma visão grotesca da Espanha do início do século XX. Seus diálogos são rudimentares e seu estilo não é muito refinado, porém se mostra extremamente eficaz. Solana é objetivo e, notavelmente, consegue prender a atenção do leitor ao longo dos acontecimentos mais triviais. O autor se mostra isento de abstrações poéticas, românticas, idealistas ou patrióticas. Através de seus escritos ele busca retratar o cotidiano de pessoas simples, presas a uma existência regida pela ignorância e crueldade.

A sua obra literária, da mesma forma que a pictórica, não foi bem recebida pela sociedade da época, a qual era incapaz de admitir a visão de mundo de Solana apresentada em seus escritos. Porém, o tempo veio a legitimar a visão de Solana, que nos forneceu através de seus textos, uma imagem fiel e sólida dos personagens mais marginais e menos amistosos da Espanha de seu tempo. Dessa forma, evidencia, igualmente, a sua importância como escritor. Seja através de suas pinturas ou obras literárias, José Gutiérrez Solana, retrata com profundidade a Espanha do começo do século XX, seus tipos, paisagens e costumes; utilizando-se, sobretudo, de luzes e sombras. Solana contemplava a crítica situação social da Espanha com descrença. Tanto os seus quadros quanto os seus escritos são uma representação da impraticável modernização da Espanha.

Ao longo de sua carreira, Solana se dedicou, sobretudo, à pintura, gravura, escrita e, ao que se sabe, um único trabalho de escultura: O Destrozona. Em 1939, após o fim da guerra, ele retorna à Espanha, onde vem a falecer em 24 de junho de 1945. Alguns dias depois, Solana recebe postumamente a Medalha Nacional de Honra. Gutiérrez Solana é considerado, atualmente, o melhor cronista gráfico da Espanha do primeiro terço do século XX, combinando suas funções artísticas com a publicação de inúmeros ensaios. Apesar de não possuir discípulos, o fascínio que Solana veio a desempenhar mais tarde na vida de artistas, colecionadores e escritores, foi enorme.

Entre as suas obras mais conhecidas estão: Los payasos (1920), La tertulia del Café de Pombo (1920), Pájaros (1921), La visita del obispo (1926), Los Traperos (1926), La procesión de la muerte (1930) e Reunión de botica (1934).