Ser livre é um anseio secular.

A vida em sociedade, desde sempre, organiza-se gerando os submetidos, os escravos e os livres. Na Pólis grega, por exemplo, havia forte distinção entre escravos e homens livres. Platão considerava isto uma realidade inevitável à partir da qual tudo seria estabelecido. Os homens eram escravos ou senhores por nascimento e esta era uma associação ou organização não advinda de convenções e acordos; tratava-se de características humanas. Da antiguidade aos dias atuais, a mão-de-obra escrava tem sido um dos pilares que sustenta sociedades e seus sistemas econômicos, embora, na contemporaneidade, ambiguidades dispersem e camuflem sua visibilidade.

A vida contemporânea não se assemelha à vida na antiguidade, ao contrário, se afirma como uma evolução em relação a esta, onde o progresso se define positivamente não só como conquistas tecnológicas, mas também como conquistas sociais em prol dos direitos e liberdades individuais (base de reivindicações de inúmeras minorias). Entretanto, nunca vivemos tão aprisionados à produção, à velocidade, ao encaixe padronizado, ao ajuste/desajuste, à burocratização e às dificuldades de relacionamento, como agora, consequentemente, as escravidões se mantém e por isso nunca percebemos, tão ambiguamente, o que é ser livre!

Costumamos pensar por paradoxo e antinomia e neste sentido, a liberdade é percebida como oposta à escravidão ou no mínimo, como o que a exclui. Deste modo, o conceito de liberdade se anula através de uma construção oposta: o que é necessário (a escravidão é necessária, por exemplo) e o que é impeditivo (o necessário impede a liberdade). Ser escravo é não ser livre, ser livre é não ser escravo, esta tautologia pouco esclarece e em nada amplia o entendimento da liberdade, que, como tudo, é relacional e só pode ser apreendida à medida que seus estruturantes tornem-se nítidos.

A questão da liberdade, do ponto de vista existencial, nos remete à definição do humano: a essencia humana é possibilidade de relacionamento. O homem é um ser no mundo com os outros e ser livre é exercer possibilidades de relacionamento. Quando se vive para satisfazer necessidades, para suprir desejos e metas, se estabelece apegos, compromissos, carências, medos, enfim, sistematizações aprisionantes e limitadoras. Para se ajustar, busca-se proteção e segurança em soluções criadoras de relações afetivas baseadas em compromisso, ilusão de empregos solucionadores, oportunismos, dogmas, regras e esquemas.

Ser livre é ultrapassar limites, é não ser por eles definidos. Estas alternativas, liberdade e limite, não se colocam como polaridades em função das quais a questão da liberdade ou não liberdade, se desenrola. Não se trata de continuidade entre dois polos de um mesmo eixo, senão seria simplesmente ser livre como oposição a ser escravo, a ser preso, a ser contido e neste sentido a questão seria de acréscimo ou decréscimo, de aposição ou oposição.

Liberdade é transcender limites, é transcender obstáculos e esta transcendência não acontece na continuidade dos processos. A ruptura se impõe, ou seja, transcender é ir além, é fazer surgir outro processo. A linearidade das situações estabelecidas é sempre binária, lógica, previsível, enquanto o que transforma, o que quebra e modifica é a apreensão da unidade nela contida (a relação configurativa entre os polos de um mesmo eixo), ou seja, é o espiralado, é a sincronização que atinge outros planos, outros referenciais. Neste sentido, toda a filosofia religiosa, desde Sto. Agostinho e São Tomás, fala nas coisas que não são deste mundo, fala da liberdade em Deus, na fé, por exemplo - é a metafísica.

Sempre podemos transcender limites, sempre podemos ser livres: o amor, o pensamento, a criatividade, as mudanças sociais, os novos paradigmas que constituem a ciência e tecnologia, ampliam espaços, neutralizam temporalidade, mas só conseguem quebrar as polaridades estabelecidas pelo sistema, pelo outro e por nós mesmos, quando não nos estrutura no passado ou nos apoia no futuro. A insistência e pressão social em nos estimular em direção ao acúmulo, à construção de imagens, à fixação de metas sociais e econômicas, impede a vivência do presente, fragiliza, gera ansiedade, depressão, medos, compromissos, ou seja, dificulta o livre exercer da dinâmica de ser com o outro. Viver o presente, sem os referenciais de medo, apego e expectativa, é a única maneira de ser livre. Quanto mais nos estabelecemos em sistemas e referenciais solucionadores ou problematizadores, menos liberdade, mais sobrevivência, mais ansiedade, angustia e adequação/inadequação.

Liberdade é ultrapassar limites integrando-os, é viver o presente sem as proteções e interrupções dos desejos, medos e compromissos. Ser livre é ser inteiro. Esta unidade vivencial só é conseguida através da autonomia, através da aceitação das próprias limitações e dificuldades.

Ser livre é a humanização que acontece cada vez que se consegue dizer não à alienação e cooptação.