Frustração: aquilo que contraria nossas expectativas; elemento fundamental do Princípio de Realidade.

Aprender a funcionar de acordo com o Princípio de Realidade, segundo Freud é adiar a satisfação do desejo para o momento e o contexto mais adequados. É fator de consenso na psicologia que ‘é na frustração que a gente cresce’.

Por outro lado, vale lembrar que, via de regra, a frustração possui um “sabor” amargo. E ainda, que é muito difícil elaborar e ‘digerir’ fatos que contrariam nossas expectativas: um projeto de trabalho que não tomou o rumo que gostaríamos, a perda de algo ou alguém valioso, o amigo que nos deixou ‘na mão’, uma avaliação negativa do superior hierárquico, o ônibus que não passou a tempo. Enfim, qualquer coisa que, a nosso ver, ‘tenha dado errado’.

Quando se trata de frustração no amor, a ferida parece que lateja bem mais intensamente e tende a sangrar com facilidade. Sobretudo, sentir-se desprezado ou rejeitado parece mobilizar fortemente a raiva do parceiro/objeto amado. É conhecimento de senso comum que amor e ódio são dois extremos de um mesmo continuum afetivo. Neste caso, os crimes da paixão constituem o exemplo mais contundente, onde o volume de tensão desencadeado por uma frustração tornou-se tão intolerável, que a única saída encontrada para a resolução do conflito foi a destruição definitiva do objeto amado. No atendimento a mulheres vítimas de violência, observamos que, em geral, o homem se torna violento, e muitas vezes tenta assassinar a parceira quando a mesma deseja se separar ou por fim ao relacionamento. A violência nas relações de gênero, seja ela física, psicológica ou sexual, por se manifestar entre duas pessoas que mantêm entre si uma relação de afeto configura um paradoxo, isto é, a manifestação concreta do ódio aparece onde menos se esperaria. Uma hipótese explicativa seria que a condição de “estar amando” busca reproduzir experiências de fusão com a mãe, vividas quando ainda se estava dentro do útero materno, uma condição regressiva, portanto.

Nas palavras de Echenique & Fassa (1992):

“A fusão primitiva caracterizada pelo corpo a corpo é substituída no adulto pela fusão simbólica, através da comunicação oral e corporal, da identidade de ideias, do senso de pertencer, na partilha de um espaço relacional. Embora haja necessidade indiscutível de um constante retorno às situações fusionais regressivas de envolvimento corporal intenso, esta necessidade é geralmente negligenciada e o contato corporal progressivamente restringido, ficando no adulto, quase que exclusivamente limitado às situações sexualizadas. Contudo, tanto a fusão simbólica quanto a corporal é fonte inesgotável de energias, onde o indivíduo se nutre pela troca com o outro. É função da fusão abrir as fontes mais profundas da vida, cósmicas, intuitivas, instintivas e sexuais, que proporcionam a realimentação necessária ao equilíbrio do indivíduo no contato com as frustrações da realidade externa” (p. 59).

Quando o vínculo amoroso é instável ou a pessoa possui em sua família de origem elementos que não a levem a exercitar a confiança, aquilo que poderíamos chamar de “angústia de separação” mobiliza fortemente fantasias persecutórias de desamor e traição. No momento em que a frustração no amor de fato acontece, isto vem corroborar e maximizar os sentimentos autodepreciativos que o indivíduo já vinha alimentando a seu respeito e tem-se então uma ‘decepção’, para si incomensurável, impossível de assimilar, uma ‘decepção’ para a qual não se tem remédio, uma ‘decepção’ que nos deixa cegos e mobiliza fortemente o ódio e o desejo de vingança.

Lembrando ainda que, para funcionar de acordo com o Princípio da Realidade e ser capaz de responder de forma adaptativa aos desafios da vida, é necessária certa dose de maturidade e capacidade de adaptação ao contexto, uma condição necessária para elaboração da frustração. Estar sob a égide do Princípio do Prazer não propicia o desenvolvimento de ferramentas e recursos internos para lidar com a frustração. Muito ao contrário, favorece a emergência da impulsividade, do agir primeiro para pensar depois. Estar voltado apenas para o próprio ego e a busca incessante da condição paradisíaca e nirvânica de fusão com a mãe (em Psicodrama, diz-se que se está na fase do ‘duplo’) impossibilita colocar-se no lugar do outro (a fase de inversão de papéis) e sentir ‘na pele do outro’, as motivações que o fizeram desistir de si, optando pela separação. Estar identificado com a própria dor não auxilia na elaboração de conflitos; ao contrário, maximiza sentimentos de autopiedade e nos torna míopes para ver o mundo através dos olhos do outro.

A inversão de papéis é sempre um recurso saudável, que nos auxilia a redimensionar o conflito e voltar revigorados e mais fortalecidos para o nosso ‘lugar’. Isto também contribui para que possamos, de fato, aprender com a frustração e para que ela possa ter um sabor menos amargo.

Por mais pedras que encontremos no caminho e por mais dolorosas que tenham sido nossas histórias de vida, há sempre um exercício de crescimento que podemos fazer... E muitas flores no caminho, para surpresa e perplexidade de nossos olhos...