Experienciar o não limite - seja de tempo e espaço, ou de situações enquanto elas próprias, ou do outro que as engendra ou que as neutraliza - é significativo de ampliação de contextos vivenciais, de ampliação de contextos relacionais. Estas ampliações criam disponibilidade ou compromisso, criam medo e opressão, esvaziam ou permitem questionamentos humanizadores a depender de suas relações estruturantes.

É importante configurar a questão do limite enquanto impedimento ou como sustentáculo, desde que é através desta reflexão que podemos atingir aberturas ou limitações éticas, que podemos perceber obstáculos, compromissos, deveres, possibilidades e impossibilidades.

O imponderável, o impossível, o que nos neutraliza como agentes, como atores, o que nos colapsa nos deixando apenas como espectadores e, às vezes, como vítimas, como receptáculos do esvaziamento de todos os referenciais vivenciados (morte, acidente, por exemplo), enfim, o imprevisível é um limite vivenciado, geralmente, como impasse, como átimo não percebido. É o que é expresso, por exemplo, como “ser arrancado do chão”, é o incomensurável, esvaziador da própria percepção de limite. Vendavais, terremotos, acidentes, atentados e, em alguns casos, a descoberta das novas faces dos entes familiares - a transformação do familiar em estranho - podem ser limites tão estarrecedores que passam a ser ignorados. Em psicoterapia se ouve relatos de abusos sexuais sofridos na infância por parte de progenitores, e que geralmente criam perda de referenciais, transformam familiares em estranhos. São relatos que exemplificam a aniquilação dos limites, fazendo desaparecer o significado de confiar, acreditar, ou mesmo de desconfiar, desacreditar, à depender das sequências vivenciadas. Este não limite - assim gerado - é redutor, oprime, deixa o indivíduo entregue a ele próprio, revestido de solidão, temor e desconfiança em relação à tudo que é familiar, à tudo que é estranho, à tudo que não seja ele próprio. Entregue a si mesmo, surge um enquistamento das possibilidades relacionais - o autorreferenciamento -, só há impedimento sem nenhuma possibilidade de transposição. A experiência do não limite configura e mantém a situação aniquiladora.

Igualmente aniquiladora é a vivência constante do limite. As regras, as proibições realizadas pela sociedade, pela família, quando não integradas através de diálogos, reflexões e análises, transformam-se em limites dificultadores. A vivência diária passa a ser a de burlar os limites ou de respeitá-los. Temor, pavor e esperteza aliados à oportunismos são referenciais e contextos gerados por estas aderências limitadoras, desde que distanciadas das sinalizações representadas. Impedimentos são criados e todas as respostas de aceitação ou de não aceitação dos mesmos, exilam a disponibilidade, a harmonia, o entendimento. Nestas situações, o limite estrangula.

Tanto nas vivências constantes de limite, quanto nas experiências de não limite, abertura para diálogo e presença são fundamentais para recuperação da dinâmica da vida. Transposições surgidas e questionadas, ordens familiares quebradas por separações afetivas por exemplo, fracassos econômicos, desesperos causados por suicídios de familiares, mortes prematuras, todos estes acontecimentos imprevisíveis podem criar situação de diálogo, esclarecedoras de acertos, de erros, de comprometimentos. Quando isto acontece começa a ser estruturada disponibilidade, começa a ser percebido que o inevitável existe, que as constantes não são fixas, que a variabilidade é uma dinâmica, que vida é dinâmica. Perceber este movimento lança para o infinito o limite, deixando-o como organização que paira sobre tudo, não mais como caso irreversível, mas sim como infinitas possibilidades do ser e estar no mundo com os outros. Faz com que se perceba que todo impedimento pode ser transformado, pode ser superado e que toda transposição é flexibilidade, é disponibilidade, é trajetória humana.