A neurose não é característica da condição humana, ela é um dado relacional, isto é, ela decorre das atitudes que o ser humano, que o indivíduo estabelece com ele próprio, com o outro, os outros e o mundo - seus contextos relacionais. Acreditar que a neurose - distorção perceptiva ou dificuldade de adaptação - faz parte do indivíduo é o determinismo psicanalista; é a ideia de que traumas e características biológicas inatas e inconscientes determinam nossas atividades.

O ser humano é uma possibilidade de relacionamento com necessidades biológicas à realizar. Nasce livre e limitado. Possibilidades de exercer motivações são suas características, tanto quanto as mesmas são estabelecidas por seus contextos relacionais, entendendo-se aí família, sociedade e cultura.

Se nasce livre para ser o que se é: um ser em relação com os outros e com o mundo, tanto quanto estruturante para com os outros, seus desejos, medos e compromissos, situados e estabelecidos em sociedades, em épocas, criando realizações, tanto quanto contradições. Lembro aqui do Prometeu de Kafka:

Existem quatro lendas sobre Prometeu:

De acordo com a primeira, ele foi acorrentado a uma rocha no Cáucaso por ter traído os deuses contando seus segredos aos homens, e os deuses enviaram águias que comiam pedaços de seu fígado, mas este sempre se recompunha.

De acordo com a segunda, Prometeu, atormentado com a dor das bicadas, pressionou-se mais e mais contra a rocha até tornar-se um com ela.

De acordo com a terceira, sua traição foi esquecida ao longo dos milhares de anos; os deuses se esqueceram, as águias se esqueceram, ele mesmo se esqueceu.

De acordo com a quarta, o acontecimento tornou-se irrelevante. Os deuses se cansaram, as águias se cansaram, a ferida cansada fechou-se.

Permanece a rocha inexplicável. A lenda tenta explicar o inexplicável. Como surge de um fundo de verdade, deve terminar novamente inexplicável.

Na dinâmica da vida, as contradições, os encontros criam limites que são aceitos ou não. Quando os mesmos são negados, estrutura-se não aceitação da realidade, não aceitação do que existe, e desta forma são estabelecidas sinalizações de omissão (medo), de recusa, além de posicionamentos e escolhas determinadas por estas contingências relacionais. Estes posicionamentos criam divisões responsáveis por polarizações convergentes ou divergentes criadas por colocações autorreferenciadas, nas quais os indivíduos se posicionam, se percebem como início e fim dos processos. Para estas pessoas, tudo depende delas, é criado por elas ou voltado para elas. Este posicionamento gera distorções, transforma o outro em objeto que reflete e refrata; o indivíduo distorce e assim configura o que se conhece por neurose. Esta distorção perceptiva cria vítimas, opressores, preconceituosos, raivosos, medrosos, carentes, enfim, estabelece os referenciais de neurose responsáveis por conflitos, violência, carência - dificuldades relacionais.

Neurótico é o indivíduo que se isola dos processos relacionais, se detém e se separa do outro, do mundo, da realidade, exercendo assim seu papel de vítima, ou de opressor e oprimido, expondo seu vazio e desespero.