Em meio às exigências da sociedade de consumo em que vivemos, e na correria louca para atender estas exigências, quase sempre nos esquecemos de quem nós somos. Ou se não esquecemos, temos medo de mostrar a nossa cara e levarmos um tapa, ou, o que é ainda pior, sermos excluídos do grupo a que pertencemos.

O adestramento já começa na infância. As crianças muito cedo aprendem que não devem sair por aí falando o que bem entendem. Uma criança bem educada diz sempre sim aos outros, ou o que é conveniente e que é de bom tom que seja dito. A “menina boazinha”, muito conhecida de todos nós, é justamente o protótipo desta atitude. Ela foi treinada para agradar. E aprendeu que para ser amada e aceita por todos deve dizer, ser e agir conforme o que os outros esperam dela.

Assim, entende que preocupar-se com a opinião dos outros mais do que com a sua própria, é fundamental para continuar existindo. Para a criança, este “outro” a princípio se faz representar por seus primeiros amores – o casal parental – e depois se estende para o círculo mais amplo de suas relações interpessoais à medida do seu desenvolvimento (os irmãos, os tios, os primos, os colegas da escola, seus primeiros amigos). A sua referência é sempre o outro e nunca o próprio eu.

Em geral, funcionamos como a “menina boazinha”. Assim, entendemos que se não agradarmos aquele do qual estamos próximos e cujo afeto nos é valioso, corremos o risco de perder este afeto e padecermos na mais completa solidão. Então, renunciamos ao nosso eu verdadeiro e passamos a “vender” uma imagem que corresponde ao que “achamos” que querem de nós. Começamos a viver para o outro e não para nós. Introjetamos os códigos e valores da sociedade em que vivemos e passamos a agir de acordo com isso, sem questioná-los e sem avaliar o seu sentido e o seu significado para o próprio eu. Tornamo-nos uma “casca” e passamos a viver de aparência. Por dentro é oco. Não há conteúdo. Não há consistência.

Já dizia Carlos Rosa (2015) que é possível reduzir a própria agitação, conter o consumismo e redescobrir a simplicidade. Segundo o autor, “viver com simplicidade é uma opção que se faz. A pessoa simples não calcula os resultados de cada gesto, não tem artimanhas e nem segundas intenções. A simplicidade não ignora, apenas aprende a valorizar o essencial. Ao optar pela simplicidade talvez redescubra a alegria de viver.”

O retorno à simplicidade talvez seja o primeiro passo para sabermos quem somos, qual é nossa natureza essencial. Precisamos do básico para nossa sobrevivência física e psicológica, e qual seria então este básico? O que é essencial para que continuemos a respirar? O que nos apraz? O que não nos apraz? Quais as cores da vida que visualizamos? Somente a partir desse “autoexame” é que passamos a existir enquanto indivíduos e como pessoas que somos. Uma identidade, mesmo que ainda incipiente, passa a se delinear e a se impor ante o olhar de outrem.

É imperioso descobrir que, apesar de todos os riscos, sentir-se livre para “ser você mesmo” é o único caminho verdadeiramente valioso e que confere a legitimidade do nosso lugar no mundo. E que não existe um dono/senhor para nos conceder a liberdade de ser. O gesto de ser livre para ser é genuinamente voluntário e é exercido de dentro para fora. Somente a partir deste momento é que se aprende o que é o respeito. O respeito por si e o respeito pelo outro. Muitas mulheres se deixam naufragar em relações com parceiros violentos justamente porque não perfizeram este percurso. Ela não existe para si. Como então conseguir fazer-se respeitar pelo outro?

Tendo feito esta descoberta de si, um segundo passo seria o fortalecimento do eu através de uma boa dose de autoestima e amor próprio. E como se faz brotar a autoestima, se em nossa matriz familiar não conhecemos o amor, muito menos a consideração positiva incondicional? O que mais estamos acostumados é com a conduta do “eu gosto de você, se me fizer isto ou aquilo”.

Esse despertar em geral não costuma ser muito fácil. Requer a presença de mãos firmes e calorosas que possam engendrar o nascimento de uma nova flor em terreno ainda árido e pedregoso. Mãos capazes de agir com segurança, mas talvez não tão delicadas por conta dos terrenos inóspitos que já palmilhou. Um(a) psicoterapeuta eficiente desempenharia bem este papel. Mas certamente, estamos falando de um ingrediente a mais, pois novamente nos deparamos com a simplicidade, já que a força e a segurança se constroem no silêncio e na simplicidade. O silêncio para estar consigo. A simplicidade de ser. A simplicidade de agir. A perfeita linearidade de quem aprendeu na escola da vida que o equilíbrio é tudo que importa.

Certamente que a pessoa pode palmilhar sozinha esse caminho, se preferir. Um bom amigo com ouvido atento e acolhedor certamente ajudaria.

Sem dúvida, o caminho do crescimento pessoal é aquele que cada um constrói para si à medida que vai caminhando. A única certeza que temos é que a autopiedade não deve fazer parte do processo, pois ela mina as nossas energias.

Fecho este artigo com a pergunta abaixo dirigida ao leitor como ponto de partida para sua reflexão: “Ao tentar descartar o supérfluo, o que nos impede de fazer isso?”

Referências bibliográficas

Rosa, Carlos. Numerologia Cabalística: a última fronteira. São Paulo: Editora ABNC, 2015.