A utilização de incógnitas é um processo matemático poderoso. Em particular, permite «andar para a frente com os problemas» antes de se saber o valor de quantidades desconhecidas. Usualmente utilizam-se letras para designar essas incógnitas, tais como x, y, etc. Esta ideia simples é certamente uma das mais frutuosas de toda a história da humanidade.

No entanto, a «artilharia pesada», executada quase sem pensar, pode perder alguma compreensão sobre as subtilezas de certos problemas. É sempre bom que os professores tenham presente a ideia de que, quando treinam certas técnicas, podem também acabar por limitar alguma criatividade. Cabe também a eles serem imaginativos face a esta problemática.

Experimente o leitor convidar um engenheiro ou um matemático a resolver este velho problema:

Num quintal onde há coelhos e galinhas existem 74 cabeças. Quantos são os coelhos e quantas são as galinhas, se ao todo contarmos 184 patas?

Há uma boa chance de ver uma resposta automática baseada na «artilharia pesada», ou seja, nas equações c+g=74 e 4c+2g=184. Após resolução de tal sistema, a solução de 56 galinhas e 18 coelhos é encontrada.

Apesar do carácter certeiro desta resolução, há argumentos interessantes sem a utilização de equações. Imagine que eram 37 galinhas e 37 coelhos. Isso daria um total de 37x2+37x4=222 patas; mais 38 do que as 184 pretendidas. Como cada substituição de um coelho por uma galinha faz «perder duas patas», basta fazer 19 substituições dessas. Sendo assim, 37 galinhas e 37 coelhos passam a ser 56 galinhas e 18 coelhos. Chama-se a isto a estratégia tentativa-erro. Tentou-se a solução errónea de 37 galinhas e 37 coelhos e, depois, corrigiu-se o erro de forma inteligente.

Outra engenhosa afirmação, talvez a mais elegante relacionada com este problema, é a seguinte:

Se todos os 74 animais fossem galinhas, haveria 148 patas. Consequentemente, as 36 patas em falta para as 184 pretendidas têm de ser de coelhos. Duas patas extra por coelho, significam 18 coelhos.

Aqui, utilizou-se uma outra estratégia para quem está habituado à resolução de problemas – a análise de um caso extremo (tudo galinhas). Repare o leitor no que se pode perder ao equacionar e executar sem pensar.

Um outro problema típico é o seguinte:

Numa turma de 30 alunos, um grupo pratica ténis, outro pratica judo e os restantes alunos praticam ambas as modalidades. Ao todo, 22 alunos praticam ténis e 20 alunos praticam judo. Quantos alunos praticam ambos os desportos?

Mais uma vez, chamando t ao número de alunos que praticam exclusivamente ténis, j ao número de alunos que praticam exclusivamente judo e a ao número de alunos que praticam ambas, podemos equacionar o problema com as três equações j+t+a=30, j+a=20, t+a=22. Resolvendo, obtém-se a resposta certa de que 10 alunos praticam exclusivamente ténis, 8 alunos praticam exclusivamente judo e 12 praticam ambas as coisas.

Este problema pode ser resolvido através de argumentos simples e eficazes. Se há 30 alunos e 22 praticam ténis, os restantes 8 têm de praticar exclusivamente judo. Por outro lado, se há 30 alunos e 20 praticam judo, os restantes 10 têm de praticar exclusivamente ténis (Imagem 1).

Normalmente, a manipulação das equações traduz exactamente este tipo de argumentos, mas estes passam despercebidos no meio da execução.

Recentemente, numa sessão de problemas com professoras do 1º ciclo do Colégio de São Tomás, em Lisboa, apareceu uma proposta interessante para a exploração de problemas deste tipo junto de crianças do 2º ano (7 anos de idade). Uma vez que as crianças do 1º ciclo ainda não equacionam, mas percebem argumentos inteligentes, a prática profissional dos docentes costuma trazer abordagens felizes e experimentadas.

A ideia baseia-se em construir duas tiras com 20 e 22 bolinhas. Em seguida, as crianças podem deslizar uma sobre a outra de forma a conseguir os 30 alunos da turma.

Esta proposta constitui outra táctica interessante para a resolução de problemas: a simulação. Com ela, crianças pequenas podem intuir a ideia de intersecção. Além disso, a abordagem chama a atenção para uma coisa fundamental, a idade e a maturidade matemática das pessoas que confrontam os problemas. Há abordagens ao alcance de umas pessoas que não estão ao alcance de outras. A todos os níveis. Isso é uma questão central para quem se interessa pelo ensino e pela didáctica da matemática.

A feitura de desenhos e esquemas é uma óptima técnica para se abordar nos primeiros anos. O chamado bar modeling (modelos com barras) é peça chave do internacionalmente reconhecido método Singapore Math. Considere o seguinte problema:

Garrafa e rolha custam 10 euros no total. Sabendo que a garrafa custa mais 9 euros do que a rolha, quanto custa a rolha?

Esqueça o facto de o preço ser um pouco para o caro… A questão é a seguinte: teve ou não a atracção para o abismo de responder que a garrafa custa nove euros e a rolha um euro? Se sim, não se preocupe, há algo terrivelmente psicológico neste problema. A resposta não é essa; se fosse esse o caso, a garrafa só custaria mais oito euros do que a rolha!

O modelo das barras aponta para a feitura de um desenho. O que se está a dizer é que se a rolha custar um tanto (a unidade), a garrafa custará esse mesmo tanto mais nove. Sendo assim, duas unidades mais nove correspondem a um total de dez euros. Duas unidades têm de corresponder a um euro e uma unidade a 50 cêntimos. A rolha custa 0,50 euros e a garrafa 9,50 euros. Essa sim, é a resposta certa!

Este processo está já muito próximo das equações, mas ainda é muito esquemático sendo passível de ser usado com crianças mais pequenas (Imagem 2).

É absolutamente notável o que se consegue fazer com esquemas bem feitos. No seu livro Álgebra Recreativa, Yakov Perelman (1882-1942), um nome incontornável da matemática recreativa, apresentou o Problema de Tolstói. Deve-se o nome ao facto de ter sido um dos problemas preferidos de Liev Tolstói (1828-1910), autor do clássico Guerra e Paz. É um de muitos casos interessantes em que é difícil equacionar o problema, sendo mais fácil o ataque através de um esquema bem feito e da aritmética. Por esse preciso motivo, este tipo de problemas tem muito valor didáctico.

Eis o problema: um grupo de ceifeiros trabalhou em dois campos, um com o dobro da área do outro. Durante meio dia, todos trabalharam no campo maior. Na segunda metade do dia, metade do grupo continuou no campo maior e a outra metade passou para o menor. Os ceifeiros que trabalharam no campo maior completaram o trabalho, à justa, no final do dia. Os do campo menor ainda deixaram uma pequena faixa em falta para o dia seguinte. Esse trabalho foi concluído por um único trabalhador, que ceifou o dia seguinte inteiro. Quantos ceifeiros havia no grupo?

Pode crer que este problema não é fácil. Inicie-se um desenho (Imagem 3). Como o campo maior foi ceifado por todos em meio dia e apenas por metade na restante parte do dia, a primeira parte do dia produziu o dobro. Isso é representado na barra. A ceifa mais clara corresponde à primeira metade do dia e a ceifa mais escura à segunda.

Acrescentemos agora o campo menor. Sabendo que a dimensão do menor é metade da do maior e como três a dividir por dois não resulta num número inteiro, é apropriado acrescentar divisórias.

Na segunda metade do dia, o que foi ceifado nos campos menor e maior tem de ser o mesmo. Corresponde à parte mais escura. Sendo assim, o que ficou por ceifar está a branco. Como essa parte foi tratada por um trabalhador durante um dia, isso significa que cada quadradinho deste esquema corresponde ao trabalho de um ceifeiro num dia. Consequentemente, havia oito ceifeiros no grupo. Este exemplo traduz a arte de resolver problemas e de adequar esquemas bem feitos às situações.