Apetece-me o rubi (do latim rubeu = vermelho) que, na Índia, de onde é originário – se bem que também exista nos Estados Unidos e no Sri Lanka –, é denominado ratnarai, digo, rei das pedras preciosas. Conta a lenda dos hindus que o rubi vermelho não é mais que um diamante coberto pelo sangue de uma rainha assassinada. A minha lenda, essa, diz que o rubi, tendo no âmago a pureza do diamante, configura a felicidade sendo o antídoto para a tristeza. Vou mais longe e digo ainda paixão, calor, sangue da terra, força vital do amor, do corpo e da alma. De uma energia estimulante, o rubi emerge-nos em surpreendentes revelações. Paixão, sobretudo paixão, parcimoniosamente cuidada, purificada pela experiência e nunca por ela subjugada.

Pedra do amor energiza-o positivamente, amplia a positividade nata pospondo as forças negativas eventualmente associadas. Há uma luta de amor e morte potencializadora do amor-próprio e do amor ao próximo. Depois… seja-se cauto – “on ne badine pas avec l’amour!” –, sonho e realidade imbricam-se demandando a sensatez, o controlo, a saúde do corpo e da alma, o percurso para a adultícia, num desejo de reconciliação e de realização plena. Di-lo Philippe de Valois; di-lo Sir John Mandeville. As lendas de Burma também dizem da sua invulnerabilidade. Signos como Áries, Sagitário, Leão, Capricórnio e Escorpião são-lhe afectos. E di-lo Maria Antónia Jardim em O Ovo do Sagrado Feminino onde a protagonista – Rubi é seu nome – sabe e reitera que “A intenção de amar é que nos liga a tudo… o Amor é a poesia sublime dos sentidos”.

Sob o signo do amor se desenrola a presente obra marcante no respeito que demonstra a esse mesmo amor, na liberdade que lhe dá de crescer, de se sedimentar, de criar raízes, fazendo de Rubi ou do sagrado feminino o seu modus operandi. Espiritualidade, muita; excessos ainda mais; arrebatamento da condição humana, incomensurável!

Depois há um toque naïf, bem longe da melopeia, mas reivindicador da fanopeia através de insistentes e insinuantes imagens e da logopeia na intelectualidade e na alquimia dialogantes com memórias civilizacionais. O referido tom naïf não inviabiliza uma forte toada erótica que, para além da vivência sexual, desnuda uma dimensão estética e intersubjectiva; há a procura do novo e do diferente no longo percurso até à fusão dos corpos que, no momento da entrega, perdem a consciência de si. Os impulsos sexuais sublimam-se e, com o apoio de Eros, a união dos seres demanda a completude. Surge o desejo de redizer a vida pela fusão com o outro, através de um impulso inevitável que se consagra na tentativa de superação da morte. É a luta entre Eros e Tanatos em que a pulsão da vida, implicando a pulsão da morte, remete para mundos outros capazes de restituírem a plenitude perdida.

Rubi, o tropo do sagrado feminino, leu Bataille, Barthes, Foulcault, Derrida… e demonstra que a essência do bem reside numa inversão de valores transformadora do mundo, repousando o erotismo no cume da alma humana.

O amor surge como algo ilimitado, excessivo, divino em si mesmo. Para o alcançar são precisos dois – o eu narrador sabe e, por tal, invoca recorrentemente a salvaguarda da Madrinha, num tom dialogístico pactuante com a coloquailidade – dois que se ligam, se enleiam e, através da arte erótica, procuram a continuidade, tentam a permanência para além do instante efémero, contrariando a finitude do ser humano e a sua inépcia na superação da morte. Nesta fusão de corpos, a consciência dilui-se no petit mort, e o amor, transcendendo o humano, diviniza-se, qual forma impulsionadora da vida, gerado lá naquele “mundo das ideias” que aproxima o tudo do nada e a vida da morte no momento da entrega.

Tudo, mas tudo, a reclamar um longo percurso de maturação que a sábia Rubi controla. É a sapiência tecida na perseverança, é o aprendizado da perfeição rumo ao “poder do sem fim”. “O caminho faz-se dentro do OVO, por entre a gema e a clara até chegar à essência: o Amor ”.

As oito partes que compõem O Ovo do Sagrado Feminino, assegurada a sua ligação por rubi pedra e Rubi mulher, simulam o equilíbrio cósmico, a harmonia entre o céu e a terra e também a justiça num infinito sem princípio nem fim. Físico e espiritual, divino e terreno pautam uma ausência de limites que só o amor, enquanto elemento totalizador, pode caucionar. Prosperidade e bem-aventurança espreitam daquele ovo prestes a soltar-se do ventre da mulher na bela imagem da capa, excelente pórtico da obra – também naïf, também erótico, também vassalo do eterno feminino; tudo e sobretudo a promessa do devir. Está dito. Há que ir à génese, à nossa génese, para que a vida continue.

Rubi pedra, Rubi mulher! Paixão e força vital do amor. Exorcizando a morte, o ovo gera-se no seio da mulher que o acolhe.