Traduzir é poder. Poder em toda sua polissemia. Poder fazer e ter poder. Exercer poder e ser objeto dele. É também não poder e também não ter poder. É ser uma ponte entre mundos e culturas distintos.

Dominar o código do outro é mágico. Toda criança tem isso consigo ao iniciar o estudo de uma língua. É sempre o lado lúdico do esconde-esconde de sentidos que é ativado na mente da criança. Não tem pressão, não tem finalidade mercadológica. É simplesmente o prazer de descobrir correspondentes como se fosse um jogo da memória. Mas a mágica ganha outras dimensões quando a brincadeira perde a despretensão e se torna um instrumento para se fazer o que já se faz, mas em uma outra cultura. A mágica do falar outro idioma, então, distingue os que tem esse “poder” dos outros. A mágica se torna autonomia. A mágica se torna poder.

O tradutor, portanto, é o engenheiro que constrói uma ponte de sentidos em duas culturas diferentes. Ele é a intersecção possível entre dois mundos que seguiriam paralelos não fosse ele. Por isso toda tradução nada mais é do que uma travessia calma de barcos de náufragos guiados por comandantes experientes. No final das contas, traduzir é um movimento em direção ao outro. A tradução dever servir e não simplesmente ser.

Como literata, a minha relação com a tradução era sempre pelo viés escrito, pela tradução literária. É uma ação solitária e ao mesmo tempo dialética e perigosa se não soubermos lidar com as vaidades acadêmicas de tradução. Muitas traduções, infelizmente, não são para servir o outro leitor, mas para mostrar toda a erudição do tradutor e atingir uma estética para poucos. Não recrimino a tradução que tem por objetivo uma estética x, mas o ponto é se valorizar uma tradução que mais distancia do que aproxima em detrimento de uma tradução que se propõe fornecer acesso a um texto.

Sempre pensei nas questões de tradução e depois de ver na prática a real função de um falante de outros idiomas em um grupo refleti ainda mais. Nunca tinha visto como é ser a ponte para que outros se relacionassem até participar dos Jogos Mundiais Indígenas. Lá eu realmente percebi que falar idiomas é ter o poder de aproximar pessoas que, por não dominar os códigos dos outros, nunca poderiam ter interagido. Sendo a tradutora de um mexicano e de uma maori, por exemplo, também pude aprender e viver aquelas culturas e trocar experiências. Sendo a tradutora da apresentação dos finlandeses com a plateia brasileira, pude ver os olhos brilhando das pessoas que se sentiam incluídas em um grupo por meu intermédio. Fazer com que o outro seja entendido e ver a gratidão da pessoa quando ela consegue, por você, se relacionar, resolver problemas, tirar dúvidas e, porque não fazer novos amigos, é uma sensação de bem-estar indescritível. Mais uma vez vou ter essa função e espero que eu possa simplesmente doar os meus idiomas para o bem do outro e que a vaidade nunca me faça trair esse sentimento real de altruísmo que é traduzir.