Aceitar regras e compromissos estabelecidos em contextos organizadores de sua validade se configura em limites definidores de funções necessárias. Quando estas regras e compromissos existem independentemente das situações por eles regulados, quando existem para manter outras ordens, eles escravizam, acorrentam, e assim, estar preso a compromissos e regras faz do indivíduo, elo de correntes alienadoras.

Situações simples demonstram a sobreposição das organizações, a sobreposição de regras. Crianças enfileiradas para receber a merenda, por exemplo, para receber o lanche nas escolas públicas, são organizadas por ordem de chegada ou podem ser organizadas por premiações emulativas: melhores notas, melhor desempenho garantem os primeiros lugares ou o acesso à melhor parte da merenda.

O ensinamento transmitido nesta atividade através do incentivo a determinado comportamento (incentivar melhores notas pelo acesso ao lanche escolar) cria compromissos de competição que são alienantes: "estudo mais para comer melhor", comportamento que é mais tarde reproduzido para conseguir títulos, pontos para seleção de emprego, melhor projeção social etc. Quando uma atividade não é realizada em função do que lhe é próprio, quando é transformada em trampolim e/ou obstáculo para alcançar ou ultrapassar ordens e critérios, ela se torna escravizadora.

Agregar outros valores aos valores significativos de uma dada situação é somar realidades díspares. Os exemplos desta atitude são inúmeros e estão em toda parte, da vida privada à vida pública, dos contatos afetivos às transações profissionais: realizar uniões afetivas pelo acúmulo de vantagens que elas oferecem, por exemplo, estrutura os alpinistas sociais. Certas uniões, além de realizar desejos de convivência mais íntima, realizam todos os desejos que fazem parte do imaginário social. Estas emergências motivacionais vão guiar regras e compromissos escravizadores, alheios às estruturas das motivações intrínsecas ao relacionamento, embora familiares aos desejos de mudança social e aquisição de dinheiro.

Neste contexto, qualquer situação que se busca é por definição alienante, escravizadora, pois é estabelecida pelas não aceitações do que se é, do que se vivencia. Anseios de melhora sempre são recusas ao que se vivencia no presente. Acontece que só ao vivenciar o presente é possível melhorar, ascender a outras situações, a outros níveis, quando as contradições são enfrentadas, quando a prisão do que aliena é desfeita. Seremos sempre escravos, mesmo que nossos espaços de movimentação sejam amplos, caso permaneçamos atrelados, acorrentados a desejos e medos (a futuro e passado).

O próprio viver em sociedades controladas fundamentalmente pelo dinheiro cria regras comprometedoras, alienadoras dos próprios desejos e motivações humanas. É preciso diferençar o que é circunstancial, o que é necessário e o que é a própria superação dos limites estruturantes. As propostas de realização, salvação, transcendência e superação de dificuldades apresentadas pelas religiões e ideologias, frequentemente alienam, comprometem, dividem e desarticulam, pois são geradas em referenciais valorativos, consequentemente enganosos. Acorrentar-se às verdades propagadas e vendidas pode também ser uma maneira de ser esvaziado, explorado.

A única maneira de não se acorrentar é através de constante questionamento às regras e compromissos, constatando se os mesmos se esgotam nas ordens e contextos que os engendraram, ou se apontam para outras direções às quais eles são estranhos, meras colagens, iscas do que se deseja realizar. Todos podem ser realizados, satisfeitos, caso utilizem as escalas das próprias necessidades e possibilidades. Plantar e colher da própria terra em que se está situado, desescraviza, estabelece autonomia, liberta.