No campo científico, a discussão do homem versus a máquina é antiga. Mas o que acontece quando ambos se unem na prática esportiva?

O mundo se surpreendeu em outubro de 2015 quando o alemão Markus Rehm, atleta amputado do joelho para baixo da perna direita, saltou a distância de 8,40 metros na final do campeonato mundial paralímpico em Doha, no Catar. A marca foi não apenas 1,14 metro superior à do segundo colocado na prova como também se tornou o recorde mundial absoluto da categoria T44. Se Rehm tivesse competido entre os esportistas sem deficiência nas Olimpíadas de Londres-2012 e Pequim-2008, teria conquistado a medalha de ouro em ambas as competições.

Além do simples espanto da comunidade internacional diante de um resultado tão expressivo, o salto do alemão colocou em discussão um tópico relativamente novo na história do esporte: estariam as próteses ajudando os atletas paralímpicos a melhorarem o desempenho? E se esse for o caso, isso lhes daria uma vantagem em relação aos competidores sem deficiência? Essa é a reclamação de alguns dos saltadores que se preparam para a Olimpíada do Rio de Janeiro. Afinal, se Rehm for liberado para atuar nos Jogos Olímpicos (além dos Paralímpicos, do qual é o atual campeão), será mais um forte concorrente ao pódio.

O primeiro atleta com deficiência a disputar uma Olimpíada nas pistas foi Oscar Pistorius - atualmente preso pelo assassinato de sua noiva. Especialista nas provas de velocidade, o sul-africano era absoluto na categoria T44 nas competições disputadas entre 2008 e 2012. No entanto, em comparação com as marcas de Usain Bolt, Kirani James e cia, Pistorius ficava bem para trás (ele ficou com o pior tempo entre os semifinalistas dos 400 metros rasos em Londres, por exemplo). O caso da mesa-tenista polonesa Natalia Partyka é semelhante: em uma modalidade amplamente dominada por asiáticos, a presença da europeia, que nasceu sem o antebraço direito e já disputou as Olimpíadas de Londres e Pequim, não representa uma ameaça aos favoritos no Rio.

Diante da atual polêmica, a Federação Internacional de Atletismo (Iaaf) exigiu que o próprio Rehm apresentasse provas comprovando que sua prótese não lhe dá vantagem em comparação com os competidores sem deficiência. Em entrevista à rede de notícias britânica BBC, o alemão conta que os testes exigidos lhe custariam cerca de 1,2 milhão de reais, quantia que não tem condições de bancar. “As pessoas não veem o trabalho duro que eu dou nos treinamentos. Se é tão fácil assim saltar mais de 8 metros com uma perna protética, por que ninguém mais fez isso?”, questiona.

Se dependesse apenas das marcas recentes, o saltador já estaria classificado ao Rio-2016. O fortíssimo índice A, de 8,15 metros, já foi repetidamente quebrado nesta temporada por Rehm, inclusive aqui no Brasil. O alemão se sagrou o campeão do torneio-exibição Super Salto, realizado em fevereiro deste ano em frente ao Museu do Amanhã, na zona portuária do Rio de Janeiro, com a excelente marca de 8,24 metros. Se permitirem, Rehm tentará voltar ao lugar mais alto do pódio na mesma cidade, em agosto.