Segundo o último relatório divulgado pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), 137 mil pessoas cruzaram o Mar Mediterrâneo em direção à Europa durante os primeiros seis meses de 2015. Os principais motivos são as guerras, os conflitos e perseguições. O mundo vive a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial.

As portas de entrada principais são Itália e Grécia pelo mar. Um terço dos homens, mulheres e crianças são sírios; os outros dois terços são, na maioria, de paises como Afeganistão e Eritréia, todos têm sido normalmente reconhecidos como refugiados.

O relatório “The sea route to Europe: The Mediterranean passage in the age of refugees” (ou “A rota marítima para a Europa: a passagem do Mediterrâneo na era dos refugiados” – em tradução livre ao português) revela que a rota leste do Mediterrâneo (da Turquia para a Grécia) é agora mais movimentada que a rota central (do Norte da África para a Itália).

Muitos passaram anteriormente por países vizinhos, como Turquia e Líbano, em busca de proteção. Refugiados e migrantes continuam sua jornada através da ex-república iugoslava da Macedônia e da Sérvia em direção à Hungria.

São frequentes as denúncias de abuso e violência perpetrados pelas redes criminosas de traficantes de pessoas, assim como controles mais rigorosos nas fronteiras.

Dados do ACNUR revelam que mais da metade de refugiados no mundo são CRIANÇAS.

E foi na minha adolescência, em 1989 num colégio luterano onde estudava em São Paulo que tive meu primeiro contato com um refugiado de guerra: um colega de sala de aula, o Geovani. Ele veio para o Brasil ainda pequeno juntamente com sua família como refúgiados da guerra civil em Angola (1975/2002).

Anos mais tarde, conheci uma adolescente que foi adotada por diplomatas portugueses na África. Não lembro o nome dela, mas nunca esquecerei da sua história. Única sobrevivente da morte em massa da sua tribo. O corte dado com um facão em seu pescoço não foi tão profundo quanto o da alma.

Em 1999 gravei um documentário na Ásia e fiquei alguns dias num campo de refugiados tibetanos em Dharamsala, pequena cidade que fica ao norte da Índia, lugar onde o Dalai Lama formou um governo de exílio depois que atravessou as montanhas do Himalaia a pé, em 1959, após a invasão da China ao Tibet.

Acompanhei a chegada de alguns refugiados vindo da mesma jornada de vários e frios dias, aquecidos com uma única roupa, trazendo as marcas da política chinesa, em relação ao Tibet, em seus corpos debilitados, famintos por comida, sedentos pela liberdade de um refúgio.

Em 2007 fui apresentada aos curdos na fronteira da Turquia e de uma Síria "sem guerra", mas que não perdoava quem obedecia ao coração e não a tradição tribal, e mesmo contra a lei turca, "crimes de honra" ainda acontecem hoje, aliás, no momento que você lê esse artigo, jovens podem estar recebendo pena de morte por apedrajamento, enterrados vivos, ou outra forma de assassinato, simplesmente por não seguirem as leis patriarcais.

Ano passado estive no Iraque e na fronteira da Síria, além da guerra que tem provocado todo esse êxodo em busca de uma terra protegida (nesse caso, a Europa), vi o lado de quem “decidiu” ficar, de quem tem a alegria pela nova "casa" de lona, com um cerca que não lembra nada daquelas dos seriados americanos. Barricadas com armamento anti-aéreo para defendê-los caso alguns daqueles mísseis que cruzavam o céu azul sem check points caíssem, "sem querer”, no campo de refúgio.

No andar debaixo do flat em Londres aprendi a reciclar e não produzir tanto lixo com o Mr. Kuman, um senhor inteligentíssimo que babava de excitação ao falar das políticas externas dos países desenvolvidos em relação aos menos “abastardos”, inclusive sobre o Brasil.

No açougue da Blackstok Road, conversas entre eu, cristã, nem um pouco fundamentalista e muçulmanos nem um pouco radicais.

Troca de conhecimentos e de presentes. A freguesa jornalista perguntadeira, essa que vos escreve, deu uma Bíblia escrita em arábe e ganhou um Corão lindo, se ele leu meu presente? Não sei, mas li várias partes do livro que ganhei.

Nessa minha longa passagem aqui pelo Brasil encontro refugiados do Haiti em vários lugares, inclusive morando no mesmo edifício da minha mãe. Entrei no elevador e o reconhecimento entre nós imigrantes, foi assim, de cara!

No caminho que leva para o local onde homens e mulheres desfilam na passarela do consumismo, um shopping center, conheci irmãos com sorrisos que só os africanos têm. Um dos senegaleses tira do seu bolso e me apresenta ao seu melhor amigo: um dicionário inglês-português. Deixou o pesadelo no porto de Marseille para viver a realidade do sonho, "aqui no Brasil tem lugar para nós", diz entre uma venda de produtos eletrônicos made in China.

Meus antepassados atravessaram o oceano, eram portugueses. Nasci no Rio de Janeiro e migrei com meus pais para São Paulo, lembro do bullying por causa do sotaque carioca, da troca de ambiente entre a brisa do mar para a garoa paulistana e da necessidade de usar cobertor. Fui e serei eternamente imigrante na terra que me fez renascer, Londres.

O ser humano gosta de dar e recebe títulos, nomenclaturas sociais. Todos nós, de verdade, somos direta ou indiretamente imigrantes e também refugiados, seja de catástrofes ambientais, políticas, sociais, de guerras deles, nossas, visíveis e invisíveis.