Mais de duas semanas depois do voto a favor da saída do Reino Unido da União Européia a saga continua. Pelas ruas ouço gente de todos os accents, nações, discutindo a decisão do rompimento com a União Européia. Não me aprofundarei no meu voto e muito menos nas questões emblemáticas que fizeram que mais da metade dos eleitores dessem bye bye para o bloco europeu formado por 28 países e criado logo após a Segunda Guerra Mundial com o objetivo de fomentar o livre comércio entre os associados e incentivar a cooperação econômica entre os países, reduzindo assim os riscos de conflitos.

Não é sobre a história da União Européia que escrevo, mas sim sobre os frutos do resultado do referendo popular do dia 24 de Junho quando 51,9% dos eleitores decidiram pela saída britânica.

Vivo em Londres há mais de 10 anos, sou brasileira e britânica, aceitei a possibilidade de ser cidadã na terra da rainha após anos de muito, muito trabalho e amor por um país que não é perfeito, mas que amo como a mim mesmo.

Amo as highlights de uma cidade que me insPira, amo o Mind the Gap do underground e da sociedade, sim nesse vai e vem enlouquecedor existe um gap em Londres preenchido diariamente pela multiculturalidade, por pessoas de várias nações, idiomas, tradições, sonhos trazidos em suas bagagens e na alma quando aportam aqui.

Londres votou pela permanência no bloco. Não teria como ser diferente.

A maioria da população da capital é de estrangeiros o que a renova todos os dias numa pluralidade que a torna ímpar, única, o novo e o antigo tão singular. Mais e mais pessoas chegam, outras saem por vontade própria ou não. É um porto, seguro? Pelo menos pra mim, sim.

Dia desses o preconceito contra imigrantes ficou mais próximo. Pela primeira vez ouvi um senhor inglês num hospital falar a seguinte frase: Saia do meu pais sua imigrante!

Estava ali fazendo meu trabalho voluntário quando ouvi a verbalização do ódio daquele senhor, a minha reação após ouvi-lo foi a de alguém que não nega a procedência e que diariamente tem a alegria de poder viver no pais que a escolheu, sim, o Reino me escolheu! Com o meu melhor e mais honesto sorriso respondi: have a nice day sir.

Foi apenas eu virar as costas para ele me perguntar de onde eu era.

Respondi que havia nascido no Brasil, mas renasci em Londres e que tenho as duas mais belas cidadanias de todo o mundo: a brasileira e a britânica, sou o que chamo de double BR, ele ouvia atentamente o meu broken english rasgado e o olhar de ódio de minutos de sentimentos atrasados se transformou em admiração e numa rajada de perguntas sobre a Amazônia. “Você já esteve lá!??”. Respondi que sim, algumas vezes e que o nascer do sol no rio Amazonas é único,e realmente é, que navegar por aquele rio foi uma das maiores experiências que tive em toda minha vida.

Começava ali não apenas uma troca de informAções, mas uma troca de culturas, de sentimentos, de aniquilar o preconceito pré-concebido pelo desconhecido. Não é facil abrir os braços, os hospitais, as escolas para culturas tão diferentes, não é facil ouvir o seu próprio idioma mal falado, escrito, dificil... Até a alegria de se reconhecer e descobrir o quão interessante é conviver com a diversidade. Os ingleses colonizaram, invadiram, tomaram, saquearam muitos paises, não apenas a Inglaterra, até mesmo a Holanda invadiu o Brasil, mas... deixaram apenas alguns fortes como parte da lembrança.

A intolerância se esvai com o fim da ignorância. Amar um país nao significa apenas usufruir de todos os benefícios dessa relação, é andar nos trilhos e amar todas as estações, seja inverno ou verão, é ir alem do entendimento e aceitar o desafio do convivio pacifico entre as diferenças e igualdades que nos tormam no fim do dia apenas seres humanos cheios de falhas e acertos.

Toda separação tem um preço, um custo, as vezes altissimo. Quanto custará esse fim de casamento que, na minha opinião, nunca foi tão completo?! Only The Father knows... Ao contrário de todos os outros paises, a Grã Bretanha nunca aceitou o Euro como sua moeda: manteve a libra, forte e estável; não renegou a mão inglesa nas ruas, em seus carros e nem na condução do próprio pais.

O horizonte existe, mas a neblina da dúvida ainda paira no ar não tão cinza desse verão europeu. O momento não é de aceitação ou não, é de agregar o que foi rompido, assimilar as diferenças e não temer o desconhecido, esteja ele num leito de hospital ou no balcão de um pub. É ganhar os votos: de confiança e tolerância.