δῶς μοι πᾶ στῶ καὶ τὰν γᾶν κινάσω.
Give me the place to stand, and I shall move the earth/world.
Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo

(Arquimedes de Siracusa)

O uso da Língua Portuguesa

Comecemos por observar a língua portuguesa no mundo através dos diferentes barómetros que lhe medem a visibilidade e a presença.

O português é falado por 260 milhões pessoas em todo o mundo e, daqui a 30 anos, devem ser pelo menos 400 milhões, língua oficial de 8 países (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste), repercutindo-se em quase todas as culturas por onde Portugal promoveu a globalização dos sécs. XV e XVI (a expansão marítima), a língua mais falada no hemisfério sul, a 4ª europeia mais falada no mundo, a 8ª mais falada do planeta, a 3ª entre as línguas ocidentais, após o inglês e o castelhano, língua de trabalho de 20 organizações intergovernamentais1e de muitas transnacionais 2, regista uma das taxas de crescimento mais elevadas, na Internet, nas redes sociais (é a 3ª no facebook) e na aprendizagem como língua estrangeira. Representa um potencial de riqueza de 1.862.727 milhões, 4% da riqueza total do mundo.

No relatório Languages for the Future, Inglaterra considera o Português dentre as 10 línguas “vitais” nos próximos 20 anos, juntamente com o Espanhol, o Árabe, o Francês, o Mandarim, o Alemão, o Italiano, o Russo, o Turco e o Japonês.

A afinidade do português e do espanhol (castelhano) resulta numa compreensão mútua3que faz do bloco bilinguístico o 2º a nível mundial, de acordo com análise do potencial de um Triângulo Estratégico entre América Latina-Europa-África, com um universo superior a 100 países4: vid. Figura 1.

Em estudo realizado pela Yahoo, o idioma mais importante no mercado de trabalho atualmente foi considerado o português e, de acordo com a Bloomberg, é a 6ª língua mais falada no mundo dos negócios(das 25 línguas, além do inglês).

Na 2.ª Conferência da Língua Portuguesa no Sistema Mundial (Aula Magna da Reitoria, em Lisboa, 29 de outubro de 2013), o panorama apresentado foi de óbvio prejuízo do português. em benefício do inglês no espaço de língua oficial portuguesa por pressões conjunturais:

Apesar da “evolução positiva” da produção científica no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), os especialistas lembram que a maioria dos investigadores lusófonos decide publicar os seus trabalhos em inglês, sobretudo por uma “questão de visibilidade”.

Quase 90% das publicações científicas lusófonas contempladas na “Web of Science” estão em inglês, contra 9, 9 % em português, segundo os dados da DGEEC.

Mas esse “desequilíbrio” é mesmo visível em bases de dados como a “SciElo”, uma plataforma que junta países da América Latina, Caraíbas, Espanha e Portugal – e que dá especial visibilidade internacional à produção científica em espanhol e português.

“Só 53, 1% das publicações ali referenciadas estão de facto em português, contra 44, 5% em inglês e 2, 4% em outras línguas”, precisou Cristiana Agapito, da DGEEC, para quem esta realidade só poderá ser alterada se houver “uma aposta na qualidade da produção científica e nas revistas científicas lusófonas”.

“Se ganharmos um espaço e uma credibilidade externa, acho que o português também passará a ser consultado por muita gente”, foi a conclusão.

Avancemos para Portugal.

Apesar do panorama acima desenhado, a FCT não aceita a língua portuguesa nos seus relatórios aos centros de investigação e as universidades procuram encorajar o ensino em inglês, mesmo no caso de matérias especificamente em língua portuguesa (culturas e literaturas de língua portuguesa) e até para os programas de intercâmbio Erasmus, que visam a imersão na comunidade linguística de acolhimento (pervertendo o ideário do programa).

Ora, se formos fazer a bibliometria de bibliografia científica em língua portuguesa na SCOPUS ou na WEB OF SCIENCE, a assimetria é bem visível, como evidenciam os gráficos elaborados pelo Observatório da Língua Portuguesa : vid. Figura 2.

Em 2014, o panorama de publicações indexadas (na sua esmagadora maioria, de língua inglesa) dado pela DGEEC, era: vid Figura 3.

Isto tem, naturalmente e também, reflexos a nível da edição, da tradução e da leitura, portanto, do cânone literário, das indústrias culturais (desde a edição às diversas plataformas e modalidades de presentificação das obras e dos autores), logo, de toda a bibliografia crítica… enfim, da consequente bibliometria!

Veja-se que, em estudo de 2011, com base na lista de Harold Bloom (Cânone Ocidental e Génio), foram definidos os “100 livros essenciais da literatura mundial” (listagem final da responsabilidade da revista Bravo! e dos seus colaboradores), dos quais, apenas 4 são de língua portuguesa: Os Lusíadas (41º lugar), Mensagem (55º), Memórias Póstumas de Brás Cubas (59º lugar) e A Ilustre Casa de Ramires (77º lugar). Como consequência bibliométrica, nos rankings de Literatura e Teoria Literária, a SJR – Scimago Journal and Country Rank consagra 663 publicações da especialidade, dos quais 333 da Europa Ocidental e apenas 2 são em língua portuguesa: Agora - Estudos Clássicos em Debate (290º lugar) e Colóquio – Letras (626º lugar). Os números falam por si…

Assim sendo, Portugal está a querer qualificar-se num espaço em que está, clara e deliberadamente, a prejudicar a sua visibilidade e, à partida, em minoria e desvantagem linguística. Em suma, não apenas não reclama a cidadania da sua língua oficial, mas ainda a subvaloriza e subestima num mundo de anglografia.

Bibliometria

Muitos são os problemas dessa medição da qualidade na sua articulação com a quantidade. Sem pretender enumerá-los, lembro alguns mais frequentemente invocados:

1. As “Belas Adormecidas” de que falou Anthony F. J. van Raan5:

A Sleeping Beauty in Science is a publication that goes unnoticed (sleeps) for a long time and then, almost suddenly, attracts a lot of attention (is awakened by a prince). In our foregoing study we found that roughly half of the Sleeping Beauties are application-oriented and thus are potential Sleeping Innovations.

Essas “Belas Adormecidas” impõem 3 variáveis: a “profundidade do sono” (média de citações num período temporal definido): “profundo” (com 1 citação/ano) e “leve” (1 a 2 citações/ano); a duração do “sono” (de 1 a 2 citações/ano); a “intensidade do despertar” (média de citações 4 anos após o “despertar”). Numa amostragem de cerca de 1.000.000 de artigos, 41 artigos, após um “sono profundo” de 10 anos receberam, em média, 6 a 7 citações nos 4 anos seguintes.

Acrescem a essas variáveis, outras variáveis: a do ritmo e modalidade de elaboração das diferentes áreas do conhecimento e do padrão de citação de cada área.

2. A resistência à novidade, singularidade, diferença

Por vezes, a própria diferença ou novidade na matéria, na metodologia e/ou na retórica discursiva pode confrontar-se com a resistência da leitura. Nesse caso, a falta de citação sinalizaria essa novidade, eventualmente, com importância reconhecida posteriormente. Stendhal escrevia para os leitores de daí a 100 anos…

3. A conflitualidade dentro da comunidade

Kenneth Rochel de Camargo Jr.6, numa síntese conclusiva sobre a matéria, enumera vários factores de problematicidade, destacando este, habitualmente omitido no debate científico com visibilidade, mas sistematicamente invocado em situação mais circunscrita:

Paulo Vaz introduz um aspecto de fundamental importância e – sintomaticamente – usualmente ignorado nas discussões sobre avaliação da ciência: o dos conflitos intracomunidade científica, mais claramente, das disputas de poder, ao mencionar o risco da adoção de técnicas de avaliação predominantemente qualitativas em "campos de conhecimento conflagrados".

4. A insuficiência do sistema de métricas usadas

Continuando a citar a enumeração de Kenneth Rochel de Camargo Jr.:

Nesse sentido, diria que concordo com Claudio José Struchiner (bem como com quase todos os comentaristas) sobre a necessidade de combinar diversos métodos em processos de avaliação, mas creio que deveríamos procurar outras métricas que não as em uso corrente.

Gostaria de chamar novamente a atenção para o artigo de Adler et al. 2, leitura obrigatória para esta discussão, ainda mais por ser a posição oficial de três associações internacionais das áreas de matemática e estatística, que afirmam, entre outras críticas, o seguinte:

Aqueles que promovem as estatísticas de citações como medida predominante da qualidade da pesquisa não respondem à pergunta essencial: o que significam as citações? Eles juntam grandes quantidades de dados sobre o número de citações, processam os dados a fim de obter estatísticas e, em seguida afirmam que o processo de avaliação resultante é 'objetivo'. No entanto, é a interpretação das estatísticas que leva à avaliação e a interpretação baseia-se no significado das citações, o que é bastante subjetivo (p. 14)7.

5. O impacte negativo das métricas

No debate que Kenneth Rochel de Camargo Jr.. sintetizou, Nísia Trindade Lima apresentou “exemplos adicionais das repercussões negativas das formas institucionais de avaliação em curso, /…/ mas principalmente /…/ [da] possibilidade de tais avaliações inibirem a inovação científica” 8.

6. A língua usada na investigação e a sua relação com as dominantes nos sistemas de medição

Remeto para a secção anterior que dedico ao assunto.

7. A impossibilidade de comparar o desempenho entre domínios científicos distintos9

Devido à diversidade de hábitos e tradições de publicação e de citação.

Identificados os problemas, porque continuar com os mesmos padrões e lugares de medição?

δῶς μοι πᾶ στῶ καὶ τὰν γᾶν κινάσω.
Give me the place to stand, and I shall move the earth/world.
Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo)

(Arquimedes de Siracusa)

Notas

1 Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Organização dos Estados Ibero-americanos, União Latina, Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, Comunidade dos Estados do Sahel-Saara, Mercado Comum da África Oriental e Austral, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, União Africana, Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, Comunidade Econômica dos Estados da África Central, Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, Associação Latino-Americana de Integração, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, Grupo do Rio, Organização dos Estados Americanos, Mercado Comum do Sul, Organização do Tratado de Cooperação Amazónica, União de Nações Sul-Americanas e União Europeia.
2 FIFA, PATHF, CONSUDATLE, CONMEBOL, CONSANAT, CONSUR e CSV.
3 Cf. estudo em Eunice R. HENRIQUES. “Intercompreensão de Texto Escrito por Falantes Nativos de Português e de Espanhol/Intercomprehension by Native Speakers of Portuguese and Spanish”, DELTA vol.16, nº 2, São Paulo, 2000.
4 Cf. estudo. O relatório começa por declarar que, “apesar de um Triângulo Atlântico com múltiplas velocidades, é aceitável falar de um “eixo emergente” entre África e a América Latina e, como resultado de algum entusiasmo excessivo, estas regiões já foram adjectivadas como “Chinas do futuro”” (p. 3, col. 1).
5 Anthony F. J. VAN RAAN. Sleeping Beauties in Science. Scientometrics, v.59, n.3, p.467- 472, 2004. Também Anthony F. J. VAN RAAN. Sleeping Beauties Cited in Patents: Is there also a Dormitory of Inventions?19 Apr, 2016.
6Kenneth Rochel de Camargo Jr.. “Sigamos em frente?”, Cadernos de Saúde Pública On-line version ISSN 1678-4464 | Cadernos da Saúde Pública, vol.29, no.9, Rio de Janeiro, Sept. 2013.
7 Adler R, Ewing J, Taylor P. Citation statistics – a report from the International Mathematical Union (IMU) in Cooperation with the International Council of Industrial and Applied Mathematics (ICIAM) and the Institute of Mathematical Statistics (IMS). Stat Sci 2009; 24:1-14.
8Ibidem.
9 “Sendo fácil obter a distribuição do número de publicações por área, já não é fácil obter – para uma mesma classificação de domínios científicos, ou seja, com possibilidade de correspondência – a distribuição dos investigadores (expressos em ETI)6 . Assim, a comparação do número de publicações com o número de recursos humanos não pode por enquanto desagregar-se por domínio científico. No entanto, ressalva-se que um índice desta natureza (publicações / investigadores) não deverá em nenhuma circunstância ser utilizado para comparar o desempenho entre diferentes áreas científicas. Este princípio resulta do facto de distintas áreas científicas terem diferentes hábitos de publicar, assim como diferentes hábitos de citar, o que as torna incomparáveis.”