Na rotina de muitos brasileiros não pode faltar o famoso cafézinho, principalmente pela manhã. Contudo, quando nos referimos aos costumes do sul do Brasil a história é um pouco diferente. Nos estados brasileiros do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná o hábito de esquentar a água para o chimarrão logo depois de acordar é uma das primeiras tarefas do dia. A bebida é a mais tradicional entre os gaúchos e também de alguns dos nossos países vizinhos como Argentina e Uruguai. O consumo do chimarrão também pode ser observado em partes da Bolívia e do Chile. No Brasil, além dos estados do sul já citados, o chimarrão pode ser encontrado em algumas localidades do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia. Uma bebida típica da cultura da América do Sul, o chimarrão ou mate, é uma herança cultural dos índios caingangue, guarani, aimará e quíchua que viveram na região. O termo mate (do quíchua mati) como sinônimo de chimarrão é mais usado em países de língua castelhana; já chimarrão é mais utilizado no Brasil, sendo originário da palavra castelhana rioplatense cimarrón. A bebida é preparada em uma cuia, vasilha feita a partir do fruto da cuieira ou do porongo, com adição de erva-mate moída e água quente a aproximadamente 70ºC. Ela é tomada com um canudo de cerca de seis a nove milímetros de diâmetro com um filtro na extremidade inferior, chamado de bomba ou bombilha. A erva produzida para uso é composta por folhas e ramos finos de Ilex paraguariensis, uma árvore da família das aquifoliáceas, que por sua vez são secos, triturados e passados em peneira grossa. Há tipos variados que vão desde os mais finos até os mais encorpados, variando de região para região.

Propriedades Nutricionais e Medicinais

Atualmente o chimarrão tem atraído a atenção de cientistas e pesquisadores que apontam para os inúmeros benefícios do consumo da bebida, entre eles: facilita a digestão; possui efeito antirreumático, estimulante e laxante; beneficia quem sofre de retenção de líquidos devido ao seu efeito diurético; melhora a libido devido a presença da saponina, um dos componentes da testosterona; estimula a atividade física e mental; gera sensação de saciedade devido à grande quantidade de fibras; atua sobre a circulação prevenindo doenças cardíacas e vasculares, tendo propriedade vasodilatadora; auxilia na regeneração celular devido aos bioativos encontrados; possui ação antioxidante e hipolipemiante, diminuindo o colesterol LDL e aumentando o HDL; possui flavonóides, os quais protegem as células e evitam o envelhecimento precoce; fortalece a estrutura óssea e previne a osteoporose devido ao cálcio e às vitaminas encontradas; ajuda a estabilizar os quadros de “gota”; melhora o funcionamento intestinal devido às fibras; é coadjuvante em dietas de emagrecimento.

A bebida é rica em inúmeras vitaminas e minerais necessárias para o funcionamento do organismo, como as vitaminas B1, B2, B6, A, E, C, D; e os sais minerais ferro, cálcio, manganês, potássio, alumínio, magnésio e fósforo. Além disso, em sua composição podemos encontrar alcalóides como a cafeína, ácidos fólicos e cafeico, proteínas, glicídeos, lipídios, celulose, dextrina, sacarina e gomas. Todas essas propriedades tornam difícil de encontrar outra planta que se compare ao valor nutricional da erva-mate. Devido ao seu efeito estimulante, a bebida incitou difamações durante o século XVI, chegando a ser proibida no sul do Brasil, onde foi apelidada de “erva do diabo” pelos padres jesuítas que ocupavam a região. No entanto, no século XVII os padres jesuítas passaram a estimular a ingestão do chimarrão como forma de afastar a população local do consumo de bebidas alcóolicas, estabelecendo um comércio regulado do produto.

De fato, o chimarrão é uma “bebida coletiva”, sinal de hospitalidade sulista. É frequente o seu consumo em torno de rodas familiares, de amigos ou para receber visitas. Esse costume é oriundo da cultura indígena de partilhar a bebida em rituais coletivos. Há relatos de que existe uma hierarquica social na roda de chimarrão, porém ninguém contesta o caráter cordial e agregador do ritual. Atualmente, o chimarrão exerce uma grande influência na cultura popular dos locais onde é consumido, tornando-se parte integrante do cotidiano das pessoas; sendo consumido entre amigos, família, no trabalho ou sozinho. O costume é passado por gerações e começa já na infância.

Cuidados e Contraindicações

É inegável que o consumo do chimarrão traz inúmeros benefícios para a saúde, porém a ingestão em excesso também pode trazer efeitos adversos. Como tudo na vida, é necessário cautela e equilíbrio. Por conter cafeína e ser uma bebida estimulante, não é indicado o seu consumo em excesso para pessoas que sofrem de insônia, hipertensão, enxaqueca e ansiedade. Nesses casos, a quantidade máxima é de duas cuias por dia. As pessoas com sintomas de refluxo gastroesofágico podem, da mesma forma, sentir incômodo com a ingestão da bebida. O seu consumo em excesso também já foi relacionado com a queda da taxa de glicose. É importante ressaltar que a bebida não substitui o consumo de água, pois não possui capacidade hidratante.

Uma outra questão que merece cuidado é a temperatura da água do chimarrão. A água não pode estar fervente, pois além de queimar a erva e alterar o seu sabor, pode causar lesões na parte interna da boca e da garganta, possibilitando o surgimento de tumores no esôfago. A temperatura muito alta também pode afetar as papilas gustativas da língua levando a uma perda parcial do paladar. A temperatura recomendada é de no máximo 70ºC.

Por fim, há pesquisas que evidenciam a relação entre a ingestão de chimarrão em alta temperatura e o aumento do risco de desenvolver câncer de esôfago. Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) relata que a combinação da alta temperatura da água com o herbicida utilizado no cultivo da erva-mate possui potencial cancerígeno. O herbicida destacado no estudo é o glifosato, usado no cultivo para matar a vegetação que cresce ao redor da erva-mate. De acordo com o estudo, há indícios de um aumento do risco de câncer no esôfago, estômago e boca. Contudo, pesquisadores e médicos defendem que ainda não há evidências científicas suficientes para condenar o consumo da bebida. Uma alternativa para os usuários é comprar a erva-mate orgânica, sem herbicidas, porém o produto deve ser consumido dentro do prazo de validade e mantido bem conservado. A temperatura da água, da mesma forma, não deve ultrapassar os 70ºC.

Outros estudos, no entanto, apontam para outros fatores responsáveis pelo aumento do risco de câncer associado com o chimarrão, entre eles: o consumo da bebida associada ao tabagismo e a secagem da erva na indústria através do processo de defumação. Apesar de o Rio Grande do Sul ser o estado com o maior número de casos de câncer de esôfago do país, cientistas e especialistas ainda são cautelosos em associar esses números diretamente com o consumo do chimarrão. E quando se trata de uma quantidade diária recomendada da bebida não há um consenso, entretanto, estudos mostraram não causar adversidades o consumo de até 1 litro da bebida por dia.

Curiosidade

Tereré ou tererê é uma bebida de origem guarani também feita com a infusão da erva-mate. Diferentemente do chimarrão, que é feito com água quente, o tereré é consumido com água fria, podendo ser acrescentado limão, hortelã, entre outros.