Embora Dublin não seja uma das capitais-destinos quando se fala de viagens à Europa, ela é uma cidade cheia de história e mistérios que merece ser visitada. Localizada na província de Leinster, na costa leste da ilha, Dublin é a capital da República da Irlanda desde 1922. Embora os habitantes de Cork, cidade localizada na costa do Atlântico, na província de Munster, contestem com frequência o título de capital de Dublin, a cidade têm histórias incríveis para quem quiser ouvir e lugares lindos para se conhecer.

Um dos charmes da cidade (mas não fica restrito somente a ela porque isso acontece em todo o país) são os sinais bilíngues: em todos os lugares, em todas as placas de rua e destinos de ônibus, se podem ler os nomes em inglês e irlandês. Embora o irlandês seja falado por pouco mais de 130 mil pessoas no país, ele ainda tenta ser revivido e isso é notável em Baile Átha Cliath, o nome irlandês da cidade.

O tempo em Dublin não ajuda… Em geral, os dias são cinzentos e é necessária uma dose de boa vontade para se sair pelas ruas dessa capital irlandesa ainda mais se a garoa começar a cair. Calma, esse é o tempo de Dublin.

Se isso acontecer, porque não passar pelo Temple Bar e entrar em algum dos pubs que lá estão? Localizada ao sul do rio, entre o Liffey e a Dame Street, o Temple Bar é provavelmente a região de Dublin mais conhecida pela concentração de pubs, como o Temple Bar Pub (o bar deu o nome ao bairro ou o bairro deu o nome ao bar?), o Porterhouse, o Oliver St. John Gogarty, o Turkʼs Head e o Purty Kitchen, entre vários outros que podem ser encontrados lá e em todos se pode tomar uma pint de Guinness, a tradicional cerveja irlandesa. E, embora seja conhecido pelos pubs, o Temple Bar é um bairro que oferece bastante cultura na qual se pode encontrar verdadeiras instituições culturais, como o Irish Film Institute, que apresenta alguns filmes internacionais em suas salas, o Irish Photography Centre, o Temple Bar Gallery and Studio, o Gaiety School of Acting, entre outros.

Do Temple Bar, se pode escolher algumas rotas: ou se atravessa o rio através da HáʼPenny Bridge, uma ponte pedestre assim chamada porque seu pedágio custava half a penny, ou subir até a Dame Street, de onde se pode ir até a Trinity College, onde está a biblioteca que inspirou a de Harry Potter e um dos escritos mais antigos do mundo, o Book of Kells, ou, caminhar até o Dublin Castle.

A HáʼPenny Bridge foi inaugurada em 1816 e foi eternizada pelo U2 em suas fotografias icônicas em preto e branco datadas do início da década de 80. Por falar em U2, é importante também mencionar o Clarence Hotel, localizado em Wellington Quay, no Temple Bar, que pertence ao Bono e ao The Edge. O Bono, aliás, vive ao redor de Dublin e já tocou na Grafton Street na época de Natal, uma das quais estive lá. A Trinity College é a universidade mais prestigiada da cidade e, como turistas, podemos visitá-la. Nos poucos dias ensolarados do verão irlandês, é possível encontrar em seus gramados irlandeses e estrangeiros deitados nos seus gramados e acompanhados de suas cervejas. Além de ser um passeio agradável se o dia estiver bonito, ela tem a maior biblioteca do país, com mais de 4,5 milhões de volumes, incluindo o Book of Kells, um manuscrito gospel escrito entre os séculos VI e IX em monastérios na Irlanda, Escócia e Inglaterra. Dizem que o interior dessa biblioteca é tão impressionante que foi usado como inspiração não só da biblioteca de Hogwarts nos filmes de Harry Potter como também, reza a lenda, é a inspiração dos arquivos Jedi do Episódio II de Star Wars.

O Dublin Castle é outro lugar que vale a pena conhecer. Sede do governo britânico na Irlanda até 1922, um governo considerado tirano e injusto para o povo irlandês, ele contém apenas uma torre de sua construção original (a Record Tower) porque o resto do castelo medieval foi destruído pelo incêndio de 1684. Lá, se pode encontrar uma estátua da justiça diferente, voltada para o Dublin Castle e não para o povo, sem vendas nos olhos e cujas balanças não são iguais: dizem que elas pendem para um lado quando chove. Isso demonstra o quão injusto o governo britânico era: a justiça era voltada para o governo e não para a população, não era cega e era tendenciosa… Coisas de Irlanda.

Ao se caminhar pelas ruas por trás do Dublin Castle, se pode deparar com diversas surpresas agradáveis, como o George Street Arcade, uma passagem que liga a George Street a Dury Street e onde se pode encontrar alguns brechós, restaurantes e objetos de decoração.

Perto de lá e bem próxima a Trinity College, está a Grafton Street, um calçadão de pedestres onde se podem encontrar muitas lojas, como a BT2, a Brown Thomas e sua coleção de luxo, com todas as marcas que alguém possa imaginar, a Swarovski e high street fashion como a A/Wear e a Next. Além de ser uma rua de compras, a Grafton é conhecida pela quantidade de artistas de rua que lá se apresentam diariamente. Dizem que o U2 lá começou e, inclusive, ela foi um dos cenários de Once, filme irlandês de 2007 que ganhou o Oscar de melhor canção original.

O tradicional Bewleyʼs Oriental Café é outro dos lugares que merece destaque. Estabelecido em 1840, foi frequentado por figuras clássicas da literatura irlandesa, como James Joyce (que também o mencionou em seu livro The Dubliners). O St. Stephenʼs Green, localizado ao princípio da rua, é um parque no meio da cidade que merece ser visitado.

Do St. Stephenʼs Green, é possível caminhar até o Merrion Square. Palco de várias apresentações de verão, o Merrion Square é o jardim georgiano localizado em Dublin 4 no qual se pode encontrar a estátua de um dos mais conhecidos escritores da cidade, Oscar Wilde (particularmente, um dos meus autores favoritos cujas citações são bastante atuais, como We are all in the gutter, but some of us are looking at the starsEstamos todos na sujeira, mas alguns de nós está olhando para as estrelas). Ao seu redor, se pode encontrar várias casas nas quais nasceram ou viveram outras personalidades importantes irlandesas. Esse também é um dos lugares onde se pode encontrar as famosas portas coloridas de Dublin, um dos cartões postais da cidade.

Encontradas também em Baggot Street, Leeson Street e Mountjoy Square, essas portas têm estilo georgiano, assim chamado porque foi desenvolvido entre 1714 e 1830, período no qual reinaram quatro reis chamados George (ou Jorge). Entre as várias histórias que escutei de suas origens, a minha favorita nunca foi confirmada, mas diz que a Rainha Vitória que reinou entre 1837 até 1901, quando faleceu, afirmou que quando morresse, queria que todas as portas do Reino Unido fossem pintadas de negro, por luto. Durante o seu reinado, ocorreu a Grande Fome Irlandesa de 1845, na qual a praga da batata destruiu plantações pelos próximos quatro anos, o que fez com que a população evaporasse: mais de um milhão morreu e outro milhão emigrou. Quando ela morreu, em sinal de protesto, reza a lenda que os irlandeses pintaram suas portas de diversas cores.

Não sei o quão verdadeira essa última história é, mas conhecendo a rebeldia irlandesa e seu senso de humor sarcástico, não duvido de sua veracidade.

Existe muito mais para se ver e conhecer nessa cidade. A Christ Church, que foi a primeira catedral da cidade fundada em 1028, fica a apenas alguns minutos de Dublin Castle. Há vários museus também, dos mais normais, com obras de artes, como o National Gallery of Ireland, até visitas a Jameson, a famosa destilaria do whiskey irlandês e a fábrica da Guinness, a St. Jamesʼs Gate Brewery.

Localizada em um terreno altamente valorizado em Dublin, Arthur Guinness assinou um contrato pelo mesmo por 9,000 anos (isso mesmo, nove mil anos) pelo qual pagaria uma quantia fixa de 45 libras irlandesas anuais. Na época, o valor era alto, mas o contrato nunca levou em conta a inflação ou cláusulas de renovação, motivo pelo qual a família Guinness, embora não o possua, o utiliza e paga somente esse valor por ano. E a família de Mark Ransford, que o possui, nada pode fazer a respeito (“yearly and every year during the residue of the said Term of nine Thousand Years unto the said Mark Ransford his heirs Executors Administrators or assigns the rent of forty five pounts sterling Lawfull Money of Great Britain by even and equall half yearly payments”). Esse contrato é legalmente válido e estudado, inclusive, em aulas de direito… Coisas de Dublin.

Aconselho fazerem um tour. Existe o tour no barco dos Vikings, Viking Splah Tour (1) no qual se sobe em um veículo anfíbio conhecido por Dukws e, em uma hora e quinze minutos, se percorre alguns dos principais pontos da cidade por terra, terminando o passeio dentro do Grand Canal Harbour. O barulho do veículo é alto então as explicações do guia podem ficar um pouco abafadas. Outro tour que recomendo é o Free Walking Tour da Sandemanʼs (2), uma companhia que oferece meus tours favoritos na Europa. Por uma gorjeta, um guia incrível apresentará a cidade à pé e contará muitas de suas histórias.

Se você preferir e já conhecer o suficiente sobre Dublin, agarre seu guia favorito ou simplesmente saia caminhando. Embora tenha escrito somente algumas linhas sobre alguns dos poucos lugares que essa cidade oferece, garanto que você descobrirá outros mais. Cheia de histórias, algumas engraçadas, outras trágicas, Dublin pode surpreender aquele que acreditava que essa capital não tinha nada a oferecer.

Notas
(1) www.vikingsplash.com
(2) www.newdublintours.com