Na metrópole de São Paulo, nenhuma tradição histórica é suficiente para garantir uma relação integral entre as construções, seus contextos e significados. Nesse sentido, é sintomático o que se passou com o mais antigo – e significativo – monumento da história de São Paulo: o bicentenário obelisco localizado na Ladeira da Memória. Apesar de seu pioneirismo, sua tarefa acabou perdida com a passagem dos séculos e, hoje, ninguém tem certeza dos motivos que deveriam ser lembrados por sua presença. Claro que há algumas hipóteses, mas o fato é que o monumento que poderia ter protagonismo – ser um sujeito – na narrativa da cidade acabou resumido a uma dobradiça, um conectivo entre o presente sempre cambiante e o passado indistinto. Talvez esse tenha sido o destino mais ajustado ao Obelisco da Memória, mas seu nome poderia muito bem ter mudado para Obelisco do Esquecimento, ou, como poderia querer Lawrence Weiner, Monumento Ipso Facto.

Ipso Facto, “pelo fato mesmo” – um monumento cujo conteúdo coincide com sua própria existência e com as metáforas que podemos projetar sobre ele. Existe algo impactante na aproximação entre a natureza da construção da cidade de São Paulo e certos enunciados de Lawrence Weiner. Isto porque na paisagem paulistana há um excesso de elementos de passagem, em detrimento dos raros marcos que conseguem se consolidar como referências simbólicas claras. A ansiedade e a fragilidade do planejamento do crescimento urbano faz com que os bairros e construções que começam a consolidar seu papel e identidade, cedo ou tarde, interrompam seus ciclos para começar algo novo, deixando para trás fragmentos de sentenças, enunciados em suspensão. Se esta cidade pudesse ser comparada a um livro, talvez fosse como um daqueles escritos em fluxos de pensamento, nos quais conectores como as vírgulas, dois pontos e travessões são muito mais abundantes do que os pontos finais.

Muitas vezes, as atitudes verbais desenhadas por Lawrence Weiner que se inserem em espaços urbanos – seus slogans, ou suas esculturas feitas de linguagem – atuam como esse tipo de peça de ligação em relação a seu contexto. Funciona um pouco como Weirner já ensaiava em 1968, quando realizou um trabalho outdoor no Windham College: “A ideia de construir uma escultura ao ar livre sempre me intrigou... eu a compararia com caminhar na floresta, quando você encontra uma lápide semi-enterrada. Agora, se uma escultura pode existir na paisagem nesse sentido, o que quer que a cerque na paisagem é enfatizado e destaca-se. A questão é o que você pode deslocar com o que você está fazendo com o lugar”.

Naquela ocasião, o artista havia deslocado grampos, estacas, barbante e grama – desde então, ele tem mobilizado fórmulas textuais extremamente sintéticas e, ainda assim, capazes de enfatizar e destacar seu entorno. É o caso das intervenções propostas por Weiner para as ruas dos Jardins no percurso entre as galerias Mendes Wood DM e Luisa Strina, feitas em fachadas e tampas de bueiro. Talvez a mais emblemática delas seja o solitário “~& ~” pintado sobre uma dessas tampas; trata-se de um elemento que se infiltra no fluxo de informações da rua, mas não diz uma coisa específica, atuando como um conector entre o que quer que tenha sido visto ou pensado pelo transeunte imediatamente antes e depois de encontrá-lo. É como uma vírgula na longa sentença que se forma no caminhar pela cidade. Da mesma forma, esse efeito de conectividade entre partes a serem determinadas pela percepção do público acontece nas frases que ocupam duas empenas cegas: "Aqui por um tempo lá por um tempo & em algum lugar por um tempo" – cuja fórmula sugere o deslocamento no tempo e no espaço de algo que permanece indeterminado.

Convém lembrar que os trabalhos de Weiner provocam, estejam eles em livros, em espaços expositivos ou nas ruas, uma relação peculiar entre presença e ausência. Eles não se pretendem totalmente indiferentes aos espaços que ocupam, como fariam se seguissem o jargão ortodoxo da arte conceitual, e tampouco respondem formalmente às proporções e formas desses espaços, como querem as iniciativas mais paradigmáticas de arte site-specific.

Suas construções frasais assumem outra postura. Elas tanto atualizam os modos de pensar os espaços já existentes, quanto delineiam suas próprias espacialidades. Há momentos em que suas intervenções enfatizam o sentido de presença: ao lermos "Um punhado de pó deixado para trás", imediatamente realizamos essa ideia no espaço através de nossa imaginação, ainda que apenas por uma fração de segundo. Noutras ocasiões, the statements convidam quem as lê a deslocar-se para um espaço apenas evocado: "Atirado em desordem sob a superfície", por exemplo, tem conotações o suficiente para que se pense que se está falando de si ou dos outros, deste lugar agora ou de outra parte no passado ou no futuro – assim, a frase nos arremessa em um ciclo de reflexões e projeções.

Nesse jogo sem fim, Lawrence Weiner acaba por nos ensinar que a arte sempre existe dentro de um espaço específico, mas não deve por isso limitar-se a seguir suas características mais evidentes. Afinal de contas, nossa percepção do espaço é em si mesma condicionada por experiências de linguagem, mesmo que o léxico em jogo não pertença originalmente a esse espaço. Em Nova York, os livros publicados por Weiner foram reunidos na mostra Learn to Read Art (New York Public Library, 1995), já em São Paulo, suas esculturas de linguagem poderiam muito bem fundamentar o primeiro capítulo de um estudo chamado Learn to Read the Metropolis.

Paulo Miyada