A Galeria Vera Cortês apresenta The Broken Shell of the Hermit Crab, exposição colectiva com trabalhos de Dora Budor, Jan Kiefer, Augustas Serapinas e Teresa Solar, com curadoria de Samuel Leuenberger.

O título da exposição, The Broken Shell of the Hermit Crab [em português, A concha partida do caranguejo eremita], sugere um espaço metafórico que pede, em simultâneo, invasão e defesa. O caranguejo eremita utiliza conchas de búzio vazias ou outros objetos ocos como abrigo, um contentor para proteger parte do seu corpo. E como os seus corpos estão constantemente a crescer e a ficar maiores do que o seu habitat, o desejo de conquistar uma nova casa é constante. A exposição junta os trabalhos de quatro artistas internacionais com práticas baseadas numa abordagem conceptual ao fazer dos objetos, com um forte interesse na cultura popular — particularmente, uma pesquisa historicista com inclinações sociais aplicada à construção das narrativas. Pensando no comportamento do caranguejo eremita como um ponto de partida conceptual, os quatro artistas desconstroem chavões culturais e extrapolam uma nova compreensão do espaço que investigam. Uma nova linguagem é aplicada ao espaço vivido, onde corpos diferentes podem navegar fisicamente, emocionalmente e espiritualmente através de uma multitude de ambientes distintos. Estes espaços conceptuais são definidos por um conjunto de economias baseadas num entendimento singular da linguagem, do bem-estar e da prosperidade.

A prática artística de Dora Budor (*1984, Croácia) foca-se principalmente nos subtextos e espaços do cinema, reimaginando estas narrativas como sistemas ecológicos a renovar e retrabalhar. Dentro do espaço da galeria, Budor apresenta um trabalho efémero em duas sequências espaciais, com o título The Preserving Machine – Notes from the Environment [em português, A máquina de preservar – Notas do ambiente]. Na sequência da instalação The Preserving Machine, apresentada este ano na Baltic Triennal, Notes from the Environment são despojos deslocados e reflexivos sobre a experiência da exposição. Uma parte é uma camada de pó que cobre o espaço da exposição e a outra parte, filtros sobre as janelas que modificam toda a luz que entra no escritório da galeria. Ambas Notes participam do essencial da criação da experiência cinemática: o uso da luz e dos efeitos especiais para comunicar tempo e disposição. Geralmente utilizado para envelhecer cenários cinematográficos, o pó é constituído por terra de diatomáceas (conchas fossilizadas trituradas) e acrescenta uma camada de um tempo pré-histórico à exposição. Estendendo-se ao longo dos limites do espaço expositivo, o pó invade a sala lentamente à medida que é transportado pelos movimentos dos visitantes. Com a luz quente que é projetada no espaço do escritório, os filtros amarelos colocados nas janelas sugerem um dia de calor intenso lá fora. Um trabalho que acontece fora do espaço da galeria, funcionando como um prólogo da exposição, When the Sick Rule the World [em português, Quando os doentes governam o mundo] é uma série de fotografias na qual Budor colaborou com cinco maquilhadores que trabalham com próteses para a terceira idade, produzindo fotogramas de um filme inexistente.

Os trabalhos de Jan Kiefer (*1979, Alemanha) lidam diretamente com as subtilezas do quotidiano, desafiando a matriz que define o status quo da sociedade ocidental. Os padrões de comportamento que resultam desta sociedade de consumo ou das interações das pessoas com um sistema de crenças endoutrinado criam códigos visuais e conotações de uma cultura imaginária. Por sua vez, estes códigos visuais transformam-se nas mercadorias que definem uma geração. Kiefer espelha de forma pungente estes padrões sociais através da desconstrução de objetos quotidianos e dos maneirismos que lhes são associados. Na verdade, os seus objetos são retratos conceptuais de um indivíduo desconhecido. Para esta exposição, Kiefer produziu uma série de novas pinturas, todas representando um padrão de cruzes, um símbolo religioso que é entrelaçado e prospetivamente transformado num desenho plano e ilusionista, reminiscente do artista gráfico do século XX, M.C. Escher. Adicionalmente, o artista apresenta duas caixas de exposição iluminadas contendo uma parafernália de objetos como perfumes baratos, latas de bebidas à base de Prosecco ou origami feitos com notas de Euro construindo um outro retrato da classe média; as caixas estão penduradas ao lado de uma grande janela vitral com a forma de um cato. No trabalho de Kiefer podemos reconhecer uma fisicalidade esotérica que é reminiscente de períodos artísticos do passado, mas é a forma como o artista mistura estas referências com objetos mundanos que produz uma sensação de familiaridade e introspeção emocional.

A prática de Augustas Serapinas (*1990, Lituânia) é focada na recomposição de espaços socialmente engajados de forma a destacar e problematizar os pressupostos que os moldam. Invertendo as funções habituais dos objetos e da espacialidade, Serapinas brinca com as possibilidades do encontro — com a arte e com as relações sociais que ela produz, como um fenómeno e como uma oportunidade. Muitas vezes, os trabalhos de Serapinas são iniciados sem objeto, apenas com o questionamento da possibilidade de novas conexões e da possibilidade da descoberta de novos espaços, especialmente aqueles que são invisíveis à primeira vista. Salas esconsas em museus, salas técnicas ou espaços de armazenamento são transformados em significantes de (inter)ações humanas que muitas vezes passam despercebidas. Nesta exposição, Serapinas apresenta um canto (de uma casa) de madeira retirado de uma tipologia lituana de cabanas que era popular na paisagem rural dos anos 1920 e 1930. Em secções transversais, o artista apropria-se de fachadas, janelas e outros elementos arquitetónicos, como o já referido canto de casa, para destacar esta tradição construtiva histórica enquanto ilustra as consequências do livre comércio económico e como os espaços se tornam naturalmente obsoletos. Outro trabalho na exposição consiste numa janela recuperada numa moldura que pertence ao mesmo tipo de casa em extinção. Na sua superfície envidraçada, um pintor de vitrais desenhou a cena que o último ocupante da casa podia ver através da janela, antes do edifício e da vista serem demolidos.

O trabalho de Teresa Solar (*1985, Espanha) expande e contrai; oscila entre a escultura e o desenho no espaço, concretizando-se sempre num ato imersivo de transformação — interpretando histórias, transformando materiais ou traduzindo as tensões que ela invoca deliberadamente. O imaginário de Solar é narrativo e o seu processo criativo começa muitas vezes com a descoberta de uma história que une mundos complexos que podem ser devedores de obras literárias, da história natural ou de narrativas mais terrenas e próximas da sua vida pessoal. Para esta exposição, Solar revisita uma figura central: Nut (Nuit), a Deusa da Noite no Egito Antigo, uma criatura celestial que tem ligações à história da sua família.

A figura alongada, uma gigantesca estrutura com doze metros de comprimento, está pousada no chão, de lado, bloqueando involuntariamente a passagem do visitante de um lado da galeria para o outro. Ligeiramente afastada do chão, ela parece descansar o seu corpo enquanto, apoiada na sua anca, há uma pequena escultura de um tigre que foi esticada no seu volume físico, animando de forma esquisita o corpo do brinquedo, como se fora um acordeão. Um terceiro trabalho, Pipeline: junction, que a artista produziu especificamente para esta exposição, é uma estrutura vertical feita com dois tubos de aço circulares que se equilibram em torno de um trabalho cerâmico de cores carnudas. Deformada e contorcida, a peça cerâmica no centro do trio age como uma articulação para os dois tubos, que parecem ter escapado de dois mundos contraditórios, o mundo de uma fábrica de tubos ou de um grande parque temático.