…Hengist had a beautiful daughter named Rowena; and when, at a feast, she filled a golden goblet to the brim with wine, and gave it to Vortigern, saying in a sweet voice, "Dear King, thy health!" the king fell in love with her. My opinion is, that the cunning Hengist meant him to do so, in order that the Saxons might have greater influence with him; and that the fair Rowena came to that feast, golden goblet and all, on purpose.

(Charles Dickens; A Child's History of England, 1853)

Já vai diversificada a nossa viagem: da presença do ‘graal’ nas artes e nas letras às cartografias que lhe estão associadas e aos seus itinerários… três capítulos. Folheemos, agora e apenas, o capítulo do ‘graal’ em labirinto de espelhos: alguns cálices, as suas histórias e os seus lugares.

Considerando apenas o recipiente da última Ceia (Mateus 26:27-28), muitos reclamam tê-lo, cada um deles argumentando por entre as brumas da história e da lenda, de sinais e de documentos, de rumores e de narrativas, sejam elas associadas à perda de Jerusalém e ao regresso dos templários ou à fuga da família de Cristo que a Legenda Áurea relata e que, no sul de França, justificará o culto de Maria Madalena. De acordo com a medievalista Margarita Torres, podemos falar de cerca de 200 Santos Graais assinalados, cada um com a sua história…

Em Espanha. Reza a lenda que o Graal, teria permanecido no reino de Aragão mais de onze séculos, trazido de Roma no séc. III por um servo de São Lourenço, diácono nascido em Huesca, em fuga das perseguições romanas.

O Sacro Catino de Génova, de proveniência desconhecida e com dois relatos divergentes de como teria sido trazido pelos cruzados no século XII.

O Santo Cálice de Valência, de ágata com uma montagem para uso como cálice. O Cálice de Dona Urraca, da basílica de León de Santo Isidoro.

O galego, da igreja de O Cebreiro (na capela dos Milagres), com milagres de transformação da hóstia em carne e do vinho em sangue no séc. XIV.

Uma estória do de Valência: seguindo pistas de Antonio Beltrán (anos 1960), Ana Mafé García (na sua tese Aportes desde la Historia del Arte al turismo cultural: el Santo Cáliz de Valencia como eje del relato turístico que sustenta el Camino del Santo Grial en el siglo XXI, 2019), assinala um acróstico de um manuscrito do séc. XI que antecipa em 300 anos a referência à sua existência factual, referindo-o de modo cifrado (o acróstico "Calis Lapis Exilis Domini"/Um Cálice de Pedra Preciosa do Senhor). Trata-se de um documento em que o rei aragonês Martín, o Humano ou o Velho, reclamou, em 1399, aos monges do mosteiro de San Juan de la Peña, a entrega da relíquia, descrevendo-o. O objecto tem inscrita na sua base uma legenda em árabe cúfico dizendo “A [taça] resplandecente”, sendo susceptível de uma interpretação especular e ideogramática que nos conduziria ao hebraico “Jesus é Deus” (fazendo lembrar o antigo rabino de Huesa, Pedro Afonso, que usava a cifra).

A história do de Léon, que Margarita Torres e José Miguel Ortega del Río reclamam ser o verdadeiro (v. Os Reis do Graal, 2014): dois velhos pergaminhos egípcios (do séc. XIV) indicam que ele teria sido enviado ao rei Fernando, o Grande ou o Grande de Leão, no séc. XI, após o saque da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, onde havia permanecido, seguindo depois para León de Denia, cujo emir havia respondido ao pedido de socorro lançado do Egito durante uma terrível fome…

No Reino Unido, trazido por José de Arimatéia... A Taça de Nanteos (em galês: Cwpan Nanteos), de madeira medieval, levado da Abadia de Glastonbury para Nanteos (País de Gales) no tempo de Henrique VIII e encontrada perto de Rhydyfelin, taça que Richard Wagner teria ido ver em 1855, antes de compor Parsifal.

Os suspeitados no Chalice Wells de Glastonbury ou na Capela de Rosslyn.

Ou o de Hawstone Park, descoberto por Graham Phillips (1995) no sótão de uma casa de campo localizada na cidade de Rugby, propriedade de Victoria Palmer, herdeira do historiador Thomas Wright, que teria escondido a taça no século XIX na base de uma estátua com uma águia de pedra feita para o efeito em Hawkstone Park.

O irlandês, de Ardagh (datado do séc. VII), encontrado em 1868 num campo de batata de Ardagh (Irlanda) e atualmente no Museu Nacional de Dublin.

O suspeitado nas criptas com os restos mortais dos Templários detectadas por radar sob a capela de Santo Estanislau de Chwarszczany.

Na Dinamarca. A taça de Gundestrup (séc. II a. C.), encontrado no pântano dinamarquês Gundestrup em 1891.

O de Antióquia (entre a datação de 300-500 d. C. e a denúncia de falsificação). De prata esculpida, na Coleção Claustro do Museu Metropolitano de Nova York, comprada por antiquários sírios em 1912, alegadamente encontrada por camponeses num poço na Síria.

A taça de Licurgo (de há c. 1600 anos), de vidro romano, com uma cena com o rei Licurgo da Trácia, que parece verde quando iluminado pela frente e vermelho quando iluminado por trás e que alguns dizem parecer ter usado nanotecnologia.

O Cálice de Salomão, de uma enorme esmeralda descoberta no Mediterrâneo e alegadamente levada ao rei Salomão que a teria esculpido alquimicamente e cujas lendas Nicholas Roerich disse ter conhecido no mosteiro de Solovetz, na Rússia.

No Oriente. O Cálice de Buda de que também Nicholas Roerich teria ouvido falar nas suas viagens pela China e Mongólia na década de 1920.

O Caldeirão Real da China, pote de ouro com alegadas propriedades alquímicas e com o elixir da imortalidade para os imperadores justos (alguns dos primeiros imperadores chineses, incluindo Hung-ti e Wu da Dinastia Han).

Na Pérsia. O Jami-Jamshid, taça de turquesa pura descoberta pelo lendário rei persa Jamshid durante uma escavação na Ásia central: poderia revelar o futuro e transformar o homem em deus.

Ou o Nartmongue, da corte do rei Key-Khosrow, a “Taça dos Cavaleiros” de uma irmandade um milénio anterior à homóloga arturiana.

O Graal de Munsalvaesche, ou Corbenic, o castelo do Rei Pescador e onde Sir Galahad teria nascido: teria sido guardado no Mosteiro de Santa Maria de Montserrat (Catalunha, Espanha). Reza a tradição que Himmler reclamou o cálice no mosteiro, gritando: "Todos na Alemanha sabem que o Graal está em Montserrat!".

Os divididos geograficamente por fragmentos, como o da Catedral de São Lourenço de Huesca, levado para Paris por Napoleão e quebrado durante um exame científico em onze pedaços, dos quais dez foram devolvidos para Génova em 1816, ficando um deles no Louvre.

E não são as únicas taças… sendo certo que, apesar de predominarem as taças como na museologia do Santo Graal, este pode ser muitas outras coisas, como referi no início desta digressão... Cada objecto justifica a sua natureza graálica com uma história da sua circulação, chegada ao lugar, descoberta, milagres reveladores da sua dimensão mágica, etc…. Naturalmente, a cada um não encontrado ainda corresponde, pelo menos, a hipótese de um ou mais lugares, mapas de tesouro, lendas, etc..

Mesmo sem elencarmos os lugares mais destacados nas hipóteses tradicionais, lembro as lendárias localizações na Cúpula da Rocha (Jerusalém, Israel) ou no famoso Zodíaco de Glastonbury, um mapa terrestre cujo relevo geológico de montes, caminhos e rios forma uma gigantesca representação dos doze signos num diâmetro de 16 km, em redor de Glastonbury. Isto, de acordo com Katharine Maltwood, em 1935, que também afirmava ter o Templo das Estrelas sido criado pelos sumérios próximo de Glastonbury por volta de 2700 a. C. representando a Távola Redonda original com todos sentados na ordem dos signos e estações. Três décadas depois, em 1969, Mary Caine filmou o lugar a partir do espaço e descobriu um outro Zodíaco semelhante na região de Kingston-on-Thames, em Surrey, também na Inglaterra. Mapas do céu, mapas da terra, mapas da nossa fé…

Há, ainda, a considerar as rotas das viagens atribuídas aos Graais do nosso encantamento, todas com origem lendária em Jerusalém e peripécias imensas até à sua localização alegada, reivindicada, com ou sem objectos correspondentes, claro…

A título de exemplo, veja-se o aproveitamento turístico desse fascínio num site espanhol que lhe é dedicado, privilegiando o itinerário via La Jacetania a San Juan de la Peña, Huesca, Saragoça e Teruel, mas que não deixa de mencionar, além dos percursos em Espanha (San Juan de la Peña, Jaca, Sta. Orosia e Yebra de Basa, S. Pedro de Siresa, S. Adriano de Sasabe e Eu Danço, em Huesca, e Saragoça, Valência), os do Reino Unido (castelo de Doune e Capela de Rosslyn, na Escócia; Castelo de Dinas Bran, em Llangollen, e de Bullet, no País de Gales; Glastonbury e Tintagel, na Inglaterra), ou de Malta (no Palácio do Grão-mestre, ou na Sagrada Enfermaria, ou na Co-Catedral de S. João, em La Valletta; em Birgu, no Forte de Sto. Ângelo, ou no Museu Wignacourt, de Rabat), ou de Grécia (em Creta, em Heraklion, ou em Sim Tia), da ilha de Rodes, da Bulgária (no castelo de Baba Vida, em Belogranchik, em Sofia…)… a lista é longa e remeto para ela.

Enfim, os lugares e as histórias associados ao plural dos cálices em que se declina ‘o Graal’ são interminável lista apenas aqui aflorada…