O modernismo nasce de um desejo de dar luz à multiplicidade de aparências e da própria beleza na arte, rompendo com quaisquer modelos e escolas anteriores e afastando-se do idealismo caracteristicamente da antiguidade.

Em Portugal, é em plena Guerra Mundial e numa situação geral de enorme instabilidade, que o início do século XX é marcado pela publicação da revista Orpheu. Tendo causado um escândalo imenso na época, a revista foi influenciada pelas grandes correntes estéticas europeias (Futurismo, Expressionismo, Cubismo, entre outros), reunindo o trabalho de vários artistas, entre os quais Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro.

Apesar do desejo de inovação e da procura de rompimento total com as tendências portuguesas sentidas até então, há ainda uma presença inquestionável do Simbolismo e do Decadentismo. No entanto, as vanguardas fazem notar uma recusa dos modelos, contrariamente ao que encontramos nas obras clássicas e renascentistas.

O modernismo português abre caminho para uma possível resposta a esta questão, enquanto época de multiplicidade na estética. As diversas correntes desenvolvidas neste tempo, bem como os artistas vários em si mesmos, i.e., artistas que encerram em si a multiplicidade, acabam por falar por si. Para uma melhor compreensão desta multiplicidade, podemos recorrer ao objectivo da própria estética modernista, no qual encontramos:

(…) segundo as palavras de Fernando Pessoa, (…) três elementos – vago, subtileza e complexidade. E passa a referir-se a cada um destes elementos ideação vaga é coisa que é escusado definir, de exaustivamente explicativo que é per si um mero adjetivo (…) Por ideação subtil entendemos aquela que traduz uma sensação simples por uma expressão que a torne vivida, minuciosa, detalhada (…) Finalmente, entendemos por ideação complexa a que traduz uma impressão ou sensação simples por uma expressão que a complica, acrescentando-lhe um elemento explicativo, que extraído dele, lhe dá um novo sentido.

Mais adiante, acrescenta:

A ideação complexa supõe sempre ou uma intelectualização de uma emoção, ou uma emocionalização de uma ideia (…).

(Arte Moderna Portuguesa no Tempo de Fernando Pessoa, 1910-1940, Literatura: Caminhos da Modernidade entre 1910 e 1940, Fernando Guimarães)

A intelectualização da emoção e a emocionalização da ideia – que não deve ser entendida como a Ideia platónica, entidade metafísica subsistente e autossuficiente – permitem compreender a estética da modernidade, já que:

(…) Quando Baudelaire admite que a modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingente está a afirmar uma atitude insurrecional, relativamente às concepções estéticas que apostavam na existência de valores intemporais. A modernidade, se a entendermos assim, abre-se ao sentido próprio do tempo, à variabilidade, a uma diferença sempre perseguida.

Esta variabilidade e diferença concretizar-se-ão no:

(…) reconhecimento instintivo, por parte de Pessoa e de Almada, da dita poliaptidão da sua natureza de artista - que haviam de adquirir através da palavra, do traço, da cor, do volume, do gosto e do corpo.

(Arte Moderna Portuguesa no Tempo de Fernando Pessoa, 1910-1940, Fernando Pessoa no Tempo da Arte Moderna. Fernando Cabral Martins)

A ligação entre aristas plásticos e literários era proeminente: os pintores modernistas estavam ligados ao movimento Orpheu de Fernando Pessoa, tendo tentado também eles lançar a sua revista Portugal Futurista, sob direcção de Almada Negreiros. No entanto, devido à apreensão do primeiro número e ao escândalo provocado nos círculos intelectuais conservadores, a revista não voltou a sair.

A pintura modernista continuou a desenvolver-se em Portugal, a partir de 1911, por acção de Dordio Gomes e Santa-Rita Pintor e, sobretudo, após o regresso de um grupo de artistas portugueses emigrantes aquando do começo da Guerra Mundial - Diogo de Macedo, Francisco Franco, Eduardo Viana e Amadeo de Souza-Cardoso.

O tempo fez de Almada Negreiros, por exemplo, um artista cada vez mais diverso e multifacetado, ao pôr em prática uma concepção extravagante do artista moderno, desdobrado por múltiplos ofícios.

Toda a arte, nas suas mais várias formas, seria, para Almada, uma parte do «espetáculo» que o artista teria por missão apresentar perante o público, fazendo de cada obra, gesto ou atitude, um meio de ilustrar a ideia total de modernidade.

“Ser moderno é estar no tempo.” E num espaço, que para Almada foi Paris nos tempos pós-Guerra, Madrid no final dos anos 20, e sempre Portugal. Tudo quanto aprendeu no estrangeiro fez com que declarasse não compreender um artista fora da sua Pátria, pelo que defendeu sempre a necessidade de criar uma imagética portuguesa, através da qual se difundisse uma sabedoria universal.

Através da sensibilidade, no cantinho pequeno de Portugal, artistas vários gritavam poemas e obras perdidas entre vários Eus que se dispersavam, enquanto se complementavam, entre planos e espelhos que refletiam imagens várias.

Na Modernidade encontramos uma noção de que não basta ser vário e plural, sem que haja consciência dessa diversidade. A ideia do belo nasce assim, de um artista inspirado e sensível à diversidade que este pode comportar. A esse propósito, e contrariamente ao rapsodo divinamente inspirado e sem técnica, Fernando Pessoa dirá: “Sejamos múltiplos, mas senhores da nossa multiplicidade.”