A Grande Rota do Vale do Côa é um trilho de 200 km, linear, que acompanha o percurso do rio Côa, desde a nascente (em Fóios, Sabugal) à foz (Vila Nova de Foz Côa).

E eis que uns velhos amigos me desafiaram a percorrê-la de bicicleta durante um fim de semana. Ora, 200 km num fim de semana, em bicicleta, não é fácil para quem não faz exercício físico com regularidade e, muito menos, para quem não pratica ciclismo. Todavia, dada a minha propensão para o disparate e para o desafio físico (ainda me julgo com pouco mais de 20 anos, apesar de já ter mais do dobro) aceitei. Já dado a alguma cautela e muita preguiça, coloquei a condição de ir se pudesse usar uma bicicleta de montanha elétrica. Escândalo! Os meus colegas foram imediatamente unânimes em declarar que esta intenção era espúria e batoteira. Não era digno de os acompanhar uma vez que me ia refugiar em tecnologia pífia para enfrentar a aventura proposta. De notar que eu e estes mesmos colegas já tínhamos tido, no passado mais ou menos longínquo, umas aventuras parecidas. Fizemos várias provas/passeios de BTT por essas serras fora e, há 6 anos, percorremos a Rota Vicentina (Alentejo), uns parecidos 200 km num parecido fim de semana. Nunca com bicicletas elétricas, obviamente. Pois fiz finca pé, era impossível para mim, atualmente, percorrer aquela distância naquele tempo numa bicicleta tradicional.

Vai daí, um dos meus colegas, que comprou uma BTT elétrica e se recusa a usar (considera que “ainda não chegou a esse ponto”), decidiu, por bondade e simpatia extrema, ceder-ma. O que motivou uma campanha insidiosa que me certificou como alguém “velho e acabado” e, com a irreverencia típica duma caserna, batizou a dita BTT elétrica de “Andarilho”. E lá fomos, rumo a Fóios, à nascente do rio Côa, na manhã dum sábado.

A Grande Rota do Côa pode ser feita a pé ou de BTT (ou a cavalo, porque não). É longa e de uma beleza única. Vale muito a pena a todos os que queiram fazer um passeio magnífico, quase totalmente imerso na natureza e com a particularidade de acompanhar o rio Côa muito de perto, cruzando-o com frequência a vau ou em antigas pontes romanas/medievais. O trajeto está bem marcado com uso da sinalética internacionalmente reconhecida (listas branca e vermelha), apesar de haver alguns pontos a precisarem de aturada manutenção: deparamo-nos com três ou quatro locais em que a sinalética está inutilizada e o caminho tomado pela vegetação. É imperioso que as Câmaras Municipais responsáveis pelo trajeto o tratem como o bem precioso que é. É do interesse de todos, mas principalmente da economia dessas Câmaras Municipais.

Mas há que ser claro e sincero: esta rota não é para fracos. É linda, é inspiradora, é surpreendente nuns locais, é arrebatadora noutros, mas é dura. Muito dura. A classificação oficial é mesmo essa: nível “Difícil”. É que “descer o rio Côa” não significa só descer. O trilho não segue sempre a margem do rio, longe disso, não raras vezes há que subir a serra, a colina, o morro, a montanha sobranceira que o emoldura. E esse subir é mesmo sempre a subir.

Qualquer ciclista sabe que as subidas são sempre mais longas que as descidas, está provado cientificamente. E que, no final duma boa descida, está sempre à espreita uma maldosa e sádica subida. De maneira que uma das decisões mais acertadas que fiz na vida foi preferir fazer esta rota montado numa BTT elétrica. Só assim consegui usufruir da beleza daqueles trilhos pedregosos, tortuosos, às vezes impossíveis e absurdos. Se não fosse o auxílio elétrico passaria a pedalar 7/8 horas diárias amaldiçoando-me e amaldiçoando o mundo todo, dado o esforço que me iria ser exigido. E foi o que aconteceu a dois dos meus colegas que seguiam de BTT tradicional. Para eles o esforço foi tremendo. E tenho de prestar-lhes aqui homenagem: amigos, ainda têm pernas e coração de jovens, os meus parabéns e o meu respeito (apesar, a certa altura, o “andarilho” ter passado a “trator” por rebocar um desses colegas subida acima por diversas vezes).

O terceiro dos meus colegas é um ciclista amador e era profundamente irritante vê-lo a fazer aquelas subidas infinitas, autênticos instrumentos de tortura medieval, com um sorriso sereno pousado na cara e um batimento cardíaco imperturbável. Chegava ao topo das colinas quase ao mesmo tempo que eu, expondo toda a minha batotice de forma implacável. Mas eu não me importava porque me sentia vivo e pronto para continuar.

O problema é que a autonomia da BTT elétrica não é infinita. Acabava o dia a ter de fazer os últimos km da etapa a pedalar sem assistência artificial numa bicicleta com o dobro do peso das outras. Pequenas humilhações ao pôr do sol. Nota final: naqueles 3 dias e 200 km tivemos 8 furos.