Historicamente o Leste Europeu é cercado por questões políticas, territoriais, sociais e econômicas que impactam até os dias atuais, particularmente os países que um dia passaram por guerras separatistas e de independência lidam com transtornos políticos e territoriais causados por guerras que se encerraram há pouco mais de 15 anos. Embora o centro europeu não tenha tido ocorrências de novos conflitos maiores desde a segunda Guerra Mundial, entretanto no Leste Europeu havia questões políticas, territoriais, diplomáticas e econômicas resultando em novas guerras, principalmente durante a dissolução da União Soviética e desintegração da Iugoslávia nos anos finais da década de 1980.

A desintegração iugoslava começou a ser evidenciada ainda em 1980 após a morte do presidente da Iugoslávia, Josip Broz Tito. Todavia, as questões separatistas e guerras se iniciaram após 1985 por conta de problemas econômicos, estruturais e sociais além de todo nacionalismo espalhado por todo território iugoslavo.

A esse ponto, o futebol e a política já caminhavam juntos, eram notados os primeiros sinais da entrada de capitais em massa nos clubes, jogadores já estavam começando a ser mercantilizados, as competições internacionais entre clubes ganharam mais relevância a cada temporada que se iniciava, e a midiatização do futebol já estava em andamento a pleno vapor, logo se iniciou o processo de globalização do futebol e de outros esportes.

Havia uma certa “preocupação” por parte de alguns especialistas e dirigentes por conta dessa globalização acarretar na perda das raízes culturais do futebol regional, o que logo se provou contrária, principalmente no futebol de países como Romênia, Ucrânia, República Tcheca, Hungria, Eslováquia, Rússia e tantos outros países. Alguns clubes do Leste Europeu viviam a época de ouro durante este período e alguns clubes chegaram a vencer a Champions League como Steaua Bucareste (Romênia) e o Estrela Vermelha (Iugoslávia e Sérvia) em 1985 e 1990, ambos clubes ficaram conhecidos por terem esquadrões temidos por muitos clubes e por terem levantado improváveis títulos.

Alguns clubes de futebol espalhados pela antiga Iugoslávia possuíam ligações políticas e militares, grandes clubes como Partizan Belgrado cujo foi fundado e possuía dirigentes oficiais do Exército Popular Iugoslavo, o Estrela Vermelha que foi fundado pela Polícia Secreta Sérvia e outros clubes da Iugoslávia como Dínamo Zagreb, Hajduk Split, FK Sarajevo, etc. O campeonato Iugoslavo teve sua edição concluída até a temporada 1990-1991, após isso os campeonatos foram separados por país (Croata, Esloveno, Bosnio e Macedônio).

As torcidas apaixonadas por seus clubes merecem seu devido destaque, e o nacionalismo era destilado, semeado e exposto no futebol através de cânticos ecoados em sua maioria por parte das torcidas ultras dos clubes. Os Ultras são torcedores que apoiam intensamente seu clube, por vezes demonstrando um comportamento extremamente violento, assemelhando-se aos Hooligans ingleses da década de 1960. Muitas torcidas ultras espalhadas por países possuem uma posição política e ideológica o que é visível em estádios de futebol durante os jogos através de manifestações, cânticos e ações violentas. Na Europa, há uma grande concentração de ultras em clubes italianos, portugueses, croatas, sérvios e em outros diversos clubes espalhados por todo continente. E na América Latina, os ultras são as famosas torcidas organizadas.

As políticas separatistas estavam a pleno vapor no final da década de 1980 e como dito anteriormente, o nacionalismo era muito presente em torcidas ultras do Dínamo Zagreb e Estrela Vermelha. Se por um lado os Bad Blues Boys ultras do clube de Zagreb aclamavam um nacionalismo croata e separatista da Iugoslávia, do outro lado havia os Delije ultras do Estrela Vermelha que amavam a Grande Iugoslávia e que mantinham um sentimento nacionalista pró-Iugoslávia, ambas torcidas se odiavam e os protestos separatistas dos croatas só pioraram a relação entre os torcedores.

Conforme os plebiscitos de independências aconteciam na Croácia e na Eslovênia, o clima político em toda Iugoslávia se tornou insustentável e em 1990 a situação já estava inflamada ao ponto de haver retaliações ou conflitos violentos entre Croácia e Iugoslávia a qualquer momento. O clássico entre Dínamo Zagreb e Estrela Vermelha no final da temporada 1990-91 marcou o momento turbulento entre ambos os lados, marcando também o fim do campeonato iugoslavo antes da independência croata e eslovena.

O jogo foi marcado pelos cânticos nacionalistas e por uma série de episódios violentos com confrontos entre as torcidas ultras dos clubes dentro e fora do estádio em Zagreb, e o Estádio Maksimir se tornou um verdadeiro caldeirão político durante a partida. Em um certo momento a barreira de segurança que era composta em sua maioria por policiais ligados ao governo central se rompeu havendo invasão de ultras no campo, se iniciando um conflito geral. Alguns jogadores de ambos os clubes tentaram se esconder dentro dos vestiários, já outros permaneceram em campo tentando socorrer alguns torcedores que estavam feridos e se protegerem de tudo e todos.

Foi neste episódio que surgiu a icônica cena do jovem meio-campista do Dínamo Zagreb, Zvonimir Boban que partiu com um golpe acertando um dos policiais que estava agredindo a torcida de Zagreb, Boban quebrou o nariz do policial (que alguns anos depois se descobriu que era bosnio muçulmano) e após esse ato, o jovem jogador se tornou ídolo do clube e da causa separatista croata.

A partida não chegou a ser finalizada e depois de algumas horas o ambiente foi controlado e pacificado. Um dia após essa partida os croatas organizaram um referendo pela independência croata, alguns especialistas apontam que essa partida foi o estopim da guerra de independência da Croácia contra o Exército Iugoslavo.

Uma semana após a partida, o Estrela Vermelha atingiu a glória eterna ao ganhar nos pênaltis do Olympique de Marselha, conquistando a primeira e única Champions League do clube. Algumas semanas após o grande acontecimento, o governo central iugoslavo adentrou em um processo de desintegração após Croácia e Eslovênia terem declarado independência, o que gerou uma terrível guerra civil entre 1991-1995, se estendendo para outras guerras logo depois como a Guerra da Bósnia entre 1992-1995 e a Guerra do Kosovo entre 1998-1999.

Todas essas guerras tiveram consequências sociais, econômicas e políticas terríveis, crimes contra humanidade foram cometidos. É importante ressaltar que, Slobodan Milošević, primeiro-ministro da Iugoslávia durante as guerras, e Franjo Tuđman presidente da Croácia pós-independência ambos usaram o futebol e ultras para terem sucesso político, Milošević foi diretor do Estrela Vermelha antes de se tornar primeiro-ministro da Iugoslávia e Tuđman era dirigente e diretor do Dínamo Zagreb. Algumas outras figuras ilustres das guerras de independência eram grandes pessoas ligadas ao futebol, seja como dirigente ou como membro importante dos ultras.

Durante as guerras os campeonatos não tiveram nenhuma pausa, a fundação dos campeonatos da Croácia, Eslovênia, Bósnia e Herzegovina continuaram em meio a guerra e os clubes sofreram com a perda da receita econômica, e a seleção iugoslava perdeu sua vaga na Eurocopa de 1992 em meio às guerras que estavam acontecendo e outros países pedindo por independência.

Ao longo dos anos a Iugoslávia perdeu sua força dando lugar para outros países surgirem, os autores dos crimes cometidos durante as guerras foram julgados e presos. Vários jogadores e suas famílias são testemunhas e vítimas das guerras, eles se encontram espalhados por clubes e seleções dentro e fora da Europa, nomes como os de Luka Modric, Edin Dzeko, Milan Borjan, Xherdan Shaqiri, Granit Xhaka, Aleksandar Mitrović e de outros tantos jogadores são atribuídos a essa parte da história.

Os clubes e seleções engrandecem o nacionalismo que é mantido aquecido nos corações de todos os seus torcedores até os dias de hoje, sendo muito presente nas torcidas ultras durante os jogos de competições internacionais da UEFA. Embora todas essas representações de nacionalismo e outros extremos estejam presente em outras torcidas dentro e fora do Leste Europeu, é um fenômeno interessante e não deixa de ter seus perigos.