Talvez você não se lembre, mas há uns dez ou até vinte anos atrás, o glúten era o queridinho da vez. Vários produtos usavam a expressão “enriquecido com glúten” como um chamariz, apelando para os benefícios desse alimento, muitas vezes, um pão. E, mais recentemente, esse componente passou a ser algo a se evitar. Mas será que o glúten deve realmente ser evitado a todo custo?

Para começar, é importante destacar que apenas cereais, como o trigo, o centeio e a cevada, contêm glúten naturalmente em sua composição. Mas é comum vermos muitos outros alimentos nas prateleiras com a inscrição “contém glúten” em sua embalagem. Isso se deve à contaminação cruzada, que ocorre quando há manipulação de alimentos com glúten no mesmo ambiente em que alimentos sem glúten são produzidos. Por exemplo, em um restaurante que serve alimentos fritos, se o óleo de fritura da batata também for usado para fritar um bolinho cuja massa foi preparada com farinha de trigo, essa batata fatalmente conterá traços de glúten.

O glúten compõem a maior parte das proteínas da farinha de trigo, podendo chegar a representar 80% do total de proteínas. Essa proporção não é fixa, pois depende da variedade do grão e do clima da região onde o trigo foi cultivado. Ele é composto por duas proteínas: a gliadina e a glutenina. Nos grãos e nas farinhas, essas duas proteínas estão separadas, mas ao adicionar água à farinha e misturar, essas duas proteínas começam a se entrelaçar e formam a famosa rede de glúten. Quanto mais a massa é trabalhada, mais o glúten se desenvolve.

Dependendo do alimento a ser produzido, farinhas com diferentes proporções de glúten podem ser utilizadas. E a massa pode ser mais ou menos trabalhada. No caso de biscoitos, farinhas pobres em glúten são preferidas para conferir uma massa mais quebradiça e mais crocante. Também deve-se misturar os ingredientes por pouco tempo e adicionar grandes proporções de gorduras e açúcares para evitar a formação da rede de glúten. Para a produção de pães, usa-se a lógica inversa.

A glutenina confere elasticidade, que é a capacidade da massa voltar à sua forma original após ser deformada. A gliadina confere extensibilidade, que é a capacidade da massa ser esticada sem quebrá-la. Essas propriedades são fundamentais na fabricação de pães, pois é graças a elas que os pães fermentados crescem e mantêm a sua forma. O gás carbônico produzido pelos fermentos fica aprisionado dentro dessa rede de glúten, que se expande e resulta em uma aparência esponjosa e elástica.

Apesar de o glúten compor a lista de proteínas inflamatórias, não são todas as pessoas que precisam evitá-lo. Para a grande maioria, o glúten representa apenas mais uma dentre tantas outras proteínas. Não há evidências científicas de que o glúten possa causar alguma reação adversa em pessoas que não têm algum tipo de intolerância a essa proteína.

Porém, para pessoas com a doença celíaca, dependendo do grau, a presença de traços da proteína já causa muitos sintomas, como diarreias, vômitos, cefaléia, entre outros. Tudo depende do grau de sensibilidade e da exposição à proteína. No organismo de uma pessoa com a doença celíaca, o glúten causa inflamação no intestino delgado, afetando as vilosidades e prejudicando a absorção de nutrientes. Os sintomas desaparecem com a descontinuação da ingestão de alimentos que contêm glúten em sua composição.

Além da doença celíaca, existem outras condições menos limitantes, que incluem intolerância não-celíaca ao glúten, alergia a trigo e dermatite herpetiforme.

Atualmente, todos os alimentos devem ter em sua embalagem a declaração dos ingredientes potencialmente alérgenos presentes ou presumidamente presentes em sua composição, incluindo o glúten.