A Nara Roesler Nova York tem o prazer de apresentar Por que vocês não sabem do lixo ocidental?, primeira individual de Jaime Lauriano em nos Estados Unidos, com curadoria de Igor Simões. A mostra reúne em torno de dez trabalhos, entre pinturas e esculturas e um vídeo que são recentes desdobramentos da pesquisa do artista, desenvolvidos principalmente ao longo do último ano.

Com título extraído do primeiro verso da canção Para Lennon e McCartney, de Milton Nascimento, a exposição tem como foco trabalhos que se debruçam sobre a formação do imaginário da sociedade brasileira. Numa perspectiva decolonial, Lauriano trabalha sobre questões da atualidade sempre levando em conta o passado da sociedade brasileira e latino americana, fundadas na exploração colonial e na escravidão, expondo uma realidade contemporânea profundamente violenta e desigual. De forma a entender poeticamente essa conjuntura histórica, o artista revisita elementos visuais que ajudaram a criar essa situação, indo desde grandes pinturas da Arte brasileira até imagens cotidianas de grande circulação, muitas delas aparentemente “inofensivas”, tais como brinquedos e stickers, mas que carregam implícitas enorme carga de violência histórica.

Nos trabalhos de natureza pictórica, o artista insere sobre uma tela vários elementos presentes na visualidade popular, que vão desde imagens de natureza colonial, até aquelas associadas a religiões de matriz afro-brasileira. Através dessas obras, Jaime Lauriano opera uma espécie de ressignificação, com elementos como a palavra “Axé”1, ou figuras sagradas como o Preto Velho2, atuando contra a violência colonial e trazendo proteção espiritual.

Também estão presentes alguns trabalhos recentes de natureza cartográfica. Mapas são um elemento amplamente empregado em processos de invasão e esquadrinhamento de territórios subordinados. Nessas obras, contudo, o artista executa esses mapas por meio da pemba, giz utilizado em territórios de religiões afro-brasileiras. Ao mesmo tempo em que ele insere em seus mapas territórios e nomes associados à cartografia histórica, acrescenta também objetos e signos visuais associados ao colonialismo, ao racismo e à violência contemporânea.

Invasão de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500 também é um desdobramento de uma pesquisa que Jaime Lauriano vem realizando desde 2022. Neste grupo de trabalhos, o artista faz uma releitura de pinturas acadêmicas produzidas entre a segunda metade do Século XIX e início do Século XX, que representam de forma idealizada fatos da História do Brasil, em geral colocando agentes colonizadores em poses heróicas. A tela do trabalho em questão é uma pintura datada de 1900, pintada por Oscar Pereira da Silva, que representa a chegada dos primeiros portugueses ao que viria hoje ser o território brasileiro. Jaime esvazia a cena de pessoas e personagens, mantendo apenas o cenário e inserindo nele uma profusão de stickers, que ora aludem a violência colonial, ora a elementos de resistência. Acima, na moldura, miniaturas de soldados e figuras populares ligadas a religiões de matriz afro, como o Zé Pilintra3, aparecem dispostos de maneira a simular um combate.

Padrão dos Descobrimentos discute sobre a colonização portuguesa de maneira mais ampla, revisitando para isso o monumento de mesmo nome situado na cidade de Lisboa, projetado na década de 1940, cujo objetivo é o de homenagear os envolvidos na expansão marítima portuguesa e na construção do Império Colonial daquele país. Aqui, contudo, o imponente marco é reduzido a uma miniatura de latão fundido, cujo material foi extraído de cartuchos de munições recolhidos em áreas de conflito do Brasil, mostrando que o feito celebrado em Portugal foi responsável por criar conflitos até hoje existentes mundo afora.

A mostra também conta com o filme Cantando na Chuva, de 2023, que consiste no primeiro trabalho do artista em linguagem cinematográfica. Nesse filme, realizado em parceria com o Coletivo Legítima Defesa, o artista faz uma releitura do clássico de mesmo nome estrelado por Gene Kelly, porém usando como ponto de partida um episódio de violência racial ocorrido no Rio de Janeiro em 2018, no qual um homem negro foi assassinado pela polícia após ter um guarda chuva que portava confundido por esses últimos com um fuzil.

Nas palavras de Igor Simões, curador da exposição: “Essa exposição existe, exatamente porque vocês não querem saber do lixo que foi, simultaneamente, rastro e lastro da experiência de um continente fundado a partir da colonização.”

Por meio de vídeos, instalações, objetos e textos, Jaime Lauriano (n. 1985, São Paulo, Brasil) revisita os símbolos, imagens e mitos formadores do imaginário da sociedade brasileira, tensionando-os a partir de proposições críticas capazes de revelar como as estruturas coloniais do passado reverberam na necropolítica contemporânea. Lauriano aborda as formas de violência cotidiana que perpassam a história brasileira desde sua invasão pelos portugueses, centrando-se, com especial perversidade, em indivíduos racializados. Nesse sentido, o artista se debruça sobre os traumas históricos de nossa cultura, compreendendo suas complexidades a partir do agenciamento de imagens e discursos provenientes das mais diversas fontes, sejam aquelas tidas como oficiais, como veículos de comunicação e propagandas de Estado; como as extra oficiais, como vídeos de linchamentos compartilhados pela internet.

Sua crítica se estende da macropolítica das esferas do poder oficial à micropolítica. Lauriano pensa o trauma não só em sua dimensão temporal, mas também espacial, valendo-se de formas de mapeamento a fim de questionar as disputas e construções territoriais coloniais. Outra dimensão de seu trabalho é a conexão com religiões ancestrais de matriz africana. O artista emprega signos e símbolos desses rituais, como a pemba branca, utilizada na feitura de seus mapas, compreendendo como a esfera religiosa foi fundamental para a resistência dos escravizados, servindo como espaço de manutenção de suas relações com o território ancestral.

Jaime Lauriano vive e trabalha em São Paulo. Suas exposições individuais incluem: Aqui é o Fim do Mundo, no Museu de Arte do Rio (MAR) (2023), no Rio de Janeiro, Brasil; Paraíso da miragem, em colaboração com silêncio coletivo, na Kubik Gallery (2022), em Porto, Portugal; Marcas, na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) (2018), em Recife, Brasil; Brinquedo de furar moletom, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC-Niterói) (2018), em Niterói, Brasil; Nessa terra, em se plantando, tudo dá, Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-RJ) (2015), no Rio de Janeiro, Brasil; e Impedimento, no Centro Cultural São Paulo (CCSP) (2014), em São Paulo, Brasil. Lauriano apresentou trabalhos na El Dorado: Myths of Gold, no Americas Society, Nova York, EUA (2023), no 37o Panorama da Arte Brasileira, São Paulo, Brasil (2022); e na 11a Bienal do Mercosul, Porto Alegre, Brasil (2018).

Participação em exposições coletivas incluem: Histórias brasileiras, no Museu de Arte de São Paulo (MASP) (2022), em São Paulo, Brasil; Social Fabric: Art and Activism in Contemporary Brazil, no Visual Arts Center da University of Texas, em Austin, EUA (2022); Afro-Atlantic Histories, no National Gallery of Art (2022), em Washington DC, Estados Unidos e no Museum of Fine Arts (MFAH) (2022), em Houston, Estados Unidos; Quem não luta tá morto – arte democracia utopia, no Museu de Arte do Rio (MAR) (2018), no Rio de Janeiro, Brasil; Levantes, no SESC Pinheiros (2017), em São Paulo, Brasil; Territórios: Artistas afrodescendentes no acervo da Pinacoteca, na Pinacoteca do Estado de São Paulo (2015), em São Paulo, Brasil.

Seus trabalhos podem ser encontrados em coleções institucionais, tais como: Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Recife, Brasil; Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro, Brasil; Museu de Arte de São Paulo (MASP), São Paulo, Brasil; Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil; e Schoepflin Stiftung, Lörrach, Alemanha.