A exposição Hortus Conclusus, do pintor espanhol Jorge Ferré, traz a Portugal, pela primeira vez, um conjunto de pinturas deste artista com uma carreira internacional que já o levou a participar em exposições em diversas cidades da Europa.

De acordo com María LLuïsa Borràs, a pintura de Ferré é sóbria e reflexiva e mantém-se afastada das tendências ou modas. A sua obra situa-se no campo da abstração, mais próxima de um certo formalismo, que também estava presente nalguma obra de Rothko, ao mesmo tempo que parece procurar uma certa transparência, ou iluminação, fazendo-nos pensar nas primeiras obras de Kandinsky. O seu formalismo é, paradoxalmente, lírico, a geometria que persiste em cada pintura é fruto de um gesto artístico seguro e refletido, nunca de uma ação irrefletida ou casual.

Para a exposição na Galeria Trem/Manuel Baptista, o pintor escolheu uma série de pinturas a óleo que mantém uma unidade formal, mas que possuem, cada uma delas, a particularidade de conterem, entre os espaços que circundam o quadro, diferentes movimentos e texturas. Há, antes de tudo, um sentido plástico que desponta em cada obra, uma nova conjugação de cores e de tons. A curadora Chus Martínez refere-se à “Insistência” como uma das qualidades da pintura de Jorge Ferré. Esta insistência leva o artista a não se deixar influenciar pelos ditames das diferentes modas artísticas. O seu trabalho apresenta a solidez de uma pesquisa constante que, ao longo do tempo, foi encontrando as suas formas e nelas fixou um estilo.

Parafraseando Gertrud Stein, “uma pintura é uma pintura é uma pintura”. Quando falamos da abstração, ou do não figurativo, temos de nos concentrar na razão de existência das imagens que parecem ser apenas manchas de cor, ordenadas ou desordenadas, conforme a subjetividade e o desejo do artista. As manchas dizem muito – representam um movimento em que a pintura se volta para si mesma. O artista não se quer distrair com motivos ou questões de representação, mas penetrar nos elementos pictóricos, na materialidade da tinta, dos pigmentos e do suporte, e experimentar as suas variações e idiossincrasias. Tal como no Suprematismo de Malevich, um quadrado preto sobre um fundo banco será sempre mais que um quadrado preto, pois a História da Arte consagrou o dentro e fora do quadro, o que contém o retângulo onde a tinta ganha vida, onde a mancha se transforma em pintura, em imagens que, mesmo não sendo figurativas, trazem consigo as marcas da cultura em que se insere e assim sendo, arrasta consigo também suas significações.

A pintura de Jorge Ferré é, portanto, atemporal. Não há nela um antes e um depois: existe um continuum de experiências e de deleite com materiais e com a possibilidade de o existente da arte manifestar-se a cada novo quadro. Como um elemento único, individual no meio de tantos outros com os quais se relaciona, mas que consegue sempre ir mais além. Uma pintura é uma pintura é uma pintura. Nem toda a pintura é uma obra de arte. As pinturas de Jorge Ferré conseguem sê-lo.

Nesta exposição, Ferré desafia os limites do abstrato e do concreto, onde cada pincelada e cor transcende a simples percepção visual para evocar emoções profundas e reflexões existenciais. Suas obras são um convite a mergulhar na complexidade da condição humana, revelando que, por trás de cada composição aparentemente simples, existe um mundo de significados e interpretações. Essa habilidade de tecer complexidade através da simplicidade é o que torna a arte de Ferré tão cativante e relevante, estabelecendo um diálogo contínuo entre o artista e o observador. A exposição Hortus Conclusus é, portanto, não apenas uma mostra de obras, mas uma experiência transformadora que reflete sobre a essência da criação artística e sua capacidade de conectar mundos internos e externos, numa demonstração de que a arte, em sua expressão mais pura, é um veículo poderoso para a compreensão humana.