O estudo e interesse pela resposta que as diferentes regiões de Portugal deram ao problema da habitação, ao longo dos tempos, tem vindo a ser feito por diversos autores, desde o início do século passado. São várias as referências à contradição existente entre os propósitos iniciais do trabalho então encomendado pelo Estado Novo, para a realização de um levantamento da Arquitectura Nacional em Portugal, e o seu resultado, publicado em livro com o título “Arquitectura Popular em Portugal”.

Compreender a diversidade existente no território nacional como sendo a sua maior riqueza terá sido, porventura, o principal legado do trabalho desenvolvido no Inquérito. A respeito dessa diversidade e apesar das transformações que os mais de cinquenta anos passados tornaram evidentes, haverá ainda espaço para novos trabalhos de caracterização e levantamento da arquitectura vernácula portuguesa, sobretudo se atendermos à qualidade dessa arquitectura e à dignidade que os seus fazedores empregavam na sua execução.

Importa reflectir sobre a permanência dos princípios aplicados regionalmente que, apesar da pobreza de recursos, se mantiveram constantes no tempo longo e resultaram numa arquitectura de superação. Para tal terá contribuído decisivamente o facto do território nacional ser local de passagem e de transmissão de conhecimento desde tempos imemoriais, em permanente transformação. E importa, sobretudo, perceber em que medida esta arquitectura projectada sem o recurso do desenho, foi capaz de resolver e incorporar materiais que lhe são estranhos, materiais que, importados, a transformam e transfiguram, até se tornar indiferenciável, independentemente da sua geografia.

O que torna essa arquitectura regional feita de blocos de cimento e caixilhos de alumínio ou PVC, menos atraente na actualidade, poderá ser o facto de ter perdido a natureza das relações entre a obra e a vida, como referia Fernando Távora, e de ter deixado de traduzir exactamente as suas condições envolventes, isto é, se as condições são diversas, deverão ser diversas as soluções, o que torna contra-natura a apresentação de soluções semelhantes para condições diversas. Ou poderá ela resultar de um processo de síntese e da capacidade de acumulação, tratamento, associação e selecção do cérebro humano, de valores permanentes que serão determinantes para a compreensão da arquitectura corrente que é a imagem do nosso território humanizado1.

Serve de ilustração a este texto um trabalho de levantamento realizado no âmbito estritamente académico (CEAPA 2012|2013 da FAUP), sobre uma aldeia da Terra Fria Transmontana que, esperamos, ajude a fazer essa reflexão. Trata-se do Pinheiro Novo, em Vinhais, aldeia localizada na fronteira de raia seca no norte de Portugal, que está implantada num veiga a oitocentos e quarenta metros de altitude, numa área de, aproximadamente, mil e quatrocentos hectares.

No Pinheiro Novo como, de resto, acontece em todo o mundo rural, a casa era o elemento central da organização da vida do agricultor, cuja actividade era feita tendo a sua casa como referência, à volta da qual se deslocava inúmeras vezes. Mais do que mera construção de apoio à habitação, o agricultor concentra na casa todas as suas exigências: é nela que armazena a sua produção; é nela que protege os seus animais; e é nela o seu habitat. Assim encarada, a casa é o elemento que melhor expressa a forma do lavrador se posicionar neste local e aquele que lhe é mais vantajoso. A maior parte das habitações da aldeia encontra-se, ou abandonada e em ruína, ou profundamente alterada por intervenções posteriores à sua construção original. A própria configuração da aldeia sofreu alterações nas últimas décadas, resultantes quase exclusivamente do abandono das actividades relacionadas com o trabalho nos campos e dos movimentos migratórios da população local. Coisa vista de norte a sul do país e que a ninguém já surpreende.

A dúvida persiste. Como encarar esta arquitectura sem arquitectos na actualidade, a tal que se vestia de camisa branca?2. Como, a partir da sua leitura e interpretação, poderemos retirar as lições metodológicas necessárias para sermos capazes de, pelas respostas apresentadas, demonstrar conhecimento da realidade da totalidade do território nacional? Porque já não se trata de recuperar a história da cidade ou da arquitectura, nem tão pouco de opor a uma arquitectura internacional, uma linguagem nacionalista. Isso está ultrapassado!... Resta saber se, de tanto a usarmos, de tanto inspirarmos e expirarmos3, não teremos deixado a camisa transpirada.

Notas

1Alexandre Alves Costa, Introdução ao Estudo da História da Arquitectura Portuguesa (2007), p. 26.
2Expressão usada por Keil do Amaral, naquilo que entendia ser a “superação das bases materiais” da arquitectura popular, que tinha como resultado uma arquitectura muito digna.
3Para Franco Purini, a cultura da Arquitectura assemelha-se ao acto vital de respirar, sem o qual não há vida. Umas vezes expiramos e a disciplina olha para fora; outras vezes inspiramos e a disciplina regressa à sua história.