O prémio IHRU, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, criado em 2008, teve origem nos prémios INH e RECRIA e, desde 2013, tem como principal área de actuação a Reabilitação Urbana, tendo como principais objectivos:

  • valorizar e promover a divulgação do trabalho desenvolvido por projectistas, construtores e promotores, tanto públicos como privados, ao nível da reabilitação urbana;

  • promover a disseminação de boas práticas;

  • contribuir, através do conhecimento de experiências inovadoras, para a contínua adaptação a novas situações;

  • assegurar, através da divulgação das melhores intervenções, também na perspectiva técnico-económica, o interesse dos cidadãos em geral pela preservação e revitalização do património habitacional e das áreas urbanas;

  • contribuir para a divulgação de melhorias sociais no acesso à habitação.

Desde 2016, com o propósito de homenagear a vida e obra do Arquitecto Nuno Teotónio Pereira, o Conselho Directivo do Instituto entendeu alterar a designação do Prémio IHRU para Prémio Nuno Teotónio Pereira, dada a relevância que o corpo da sua obra teve e tem na habitação em Portugal e o papel pedagógico que pode desempenhar na formação de novas gerações de arquitectos. Nuno Teotónio Pereira que, por um lado, foi Presidente da Associação dos Arquitectos Portugueses e um dos promotores da investigação realizada no Século XX, sobre o problema da habitação em Portugal, tendo integrado uma das equipas do Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, no início da segunda metade do século passado, na Zona 4, que abrangia as antigas províncias da Estremadura, Ribatejo e parte da Beira Litoral, juntamente com os arquitectos António Pinto de Freitas e Francisco da Silva Dias.

A esse propósito, são muito curiosas as suas afinidades com o pensamento de Fernando Távora, num momento de redefinição do ensino da arquitectura em Portugal e da própria prática de projecto, com a afirmação de uma via alternativa às propostas dogmáticas do Movimento Moderno, naquilo que o próprio designou de movimento crítico de revisão da arquitectura moderna contra os dogmas para se adaptar melhor às condições locais, a cada ambiente.

Como Távora, Nuno Teotónio Pereira desejou e soube prestar tributo ao cidadão anónimo, construtor da nossa paisagem. Ao Homem que transforma o campo, vive em casas que são assim ou estão ali, mais por via dos materiais de ao pé da porta e das exigências da lavoura ou dos animais, do que por sua vontade ou necessidade dos seus. A herança comum vem de longe. Séculos de vida moldada pelas muitas adversidades e pelos poucos favores que a natureza coloca o seu dispor são o substrato da feição do habitat do povo português. (...). É de justiça homenagear quem em tão duras circunstâncias consegue casas, palheiros, poços, moinhos ou fontes, tão acertados e belos1.

Por outro lado, Nuno Teotónio Pereira desenvolveu uma série de trabalhos de arquitectura e urbanismo com programas de habitação, demonstrando em todos eles uma preocupação e sensibilidade para com as questões sociais, que se estenderam muito além da sua actividade profissional. Por fim, decidiu doar o seu património ligado à intervenção em arquitectura e urbanismo ao Instituto da Habitação e de Reabilitação Urbana, I.P.

Nas edições anteriores, foram premiados trabalhos de vários arquitectos, como André Tavares, com o projecto de reabilitação de casas de campo em Vale de Cambra (2015), João Carlos dos Santos, com o projecto de Restauro e Recuperação da Igreja e Torre dos Clérigos, no Porto (2015), Paulo Moreira, com o projecto de reabilitação de um edifício na Rua dos Caldeireiros, no Porto (2014), Adalberto Dias, com o projecto de recuperação da Igreja e Convento de S. Francisco, em Évora (2016), entre tantos outros bons exemplos de reabilitação.

Na última edição, para projectos e obras de 2017, o prémio relativo a reabilitação de edifício habitacional, foi atribuído a Manuel Aires Mateus, pelo seu projecto de reabilitação de um edifício para habitação e turismo, em Lisboa. Na categoria de reabilitação de edifício de equipamento, o prémio foi atribuído aos arquitectos Nuno Valentim, Frederico Eça e Margarida Carvalho, com o projecto de reabilitação dos Albergues Nocturnos do Porto. Trata-se de um edifício de construção tradicional, com cinco pisos, localizado na Rua Mártires da Liberdade, no Porto.

De acordo com Nuno Valentim, um dos autores, em entrevista ao jornal Público de 22 de Abril deste ano, o projecto é essencialmente de reabilitação. Como havia várias áreas do edifício principal muito degradadas e que não podiam ser ocupadas, a sua reabilitação, permitiu ampliar a capacidade de acolhimento do Albergue em 15 camas. No fundo, tratou-se de um exercício muito pragmático de reajuste interior. Conseguiram manter praticamente todos os elementos estruturais, a caixa de escadas original e grande parte da compartimentação principal, sem grandes demolições interiores, até porque durante a obra, os sem-abrigo permaneceram no edifício, esse era um dos desafio do projecto e da obra. Por outro lado, tratou-se de dotar o edifício de equipamentos e infraestruturas compatíveis com as exigências de conforto e higiene actuais, como aquecimento e ventilação.

Nuno Valentim é co-autor do Manual de Apoio ao Projecto de Reabilitação de Edifícios Antigos, coordenado pelo Professor Vasco Peixoto de Freitas, com edição da Ordem dos Engenheiros da Região Norte, cuja publicação prestou um contributo assinalável para a reflexão sobre a problemática dos edifícios antigos, caracterizando e tipificando as soluções do passado, sobretudo na cidade do Porto, e propondo um conjunto de soluções tipo de reabilitação de elementos construtivos em zona corrente, através de desenhos esquemáticos e especificações exigênciais2.

Nuno Valentim defende o princípio óbvio em reabilitação de que cada caso é um caso, mas para o qual é necessário um saber de base universal ou um ponto de partida comum, a partir do qual se poderão reconhecer as boas práticas de reabilitação. Por outro lado, assume como sua a cultura da Escola do Porto, que defende que tudo é projecto, independentemente de ser construção de raiz ou reabilitação, recusando qualquer tipo de especialização em arquitectura, como forma de defesa da própria disciplina. Ou, nas palavras de Álvaro Siza, aos arquitectos compete, se tal lhes for permitido, preservar património tanto quanto criá-lo; sempre assim aconteceu (...), na condição de não comprometer o tecido, mais compacto ou menos, que a junção das casas consente3.

Julgo que é precisamente esse trabalho de urdidura anónima no tecido urbano que os promotores do Prémio Nuno Teotónio Pereira pretendem valorizar e sublinhar. E ainda bem.

Notas

1 Arquitectura Popular em Portugal, Volume 2. Ordem dos Arquitectos. 2004, p. 15.

2 Vasco Peixoto Freitas (Coordenação). Manual de Apoio ao Projecto de Reabilitação de Edifícios Antigos. Ordem dos Engenheiros da Região Norte (2012), p. 15.

3 Álvaro Siza. Textos. Civilização Editora, Porto (2009), p. 324.