Evoco este poema didáctico escrito no século I a. C., por Titi Lucrécio Caro, que enraíza nos periphyseus, tão do agrado dos pré-socráticos. E evoco-o porque, tal como nele, na arte de Luisa Prior parece haver uma tentativa de celebrar a existência do homem, liberto da ameaça do fim temido e anunciado que é a morte. Demócrito e Epicuro espreitam mas é a austeridade de Lucrécio que chama a atenção para a humanidade e para a sua capacidade de elevação. O ser é chamado a assumir a sua verdade para que se torne elemento salvífico. São as sementes eternas que enformam o mundo.

Quero crer que a arte de Luísa Prior se erige conivente com os argumentos esgrimidos em De Rerum Natura. De facto, nas suas telas, agora de pequenas, mas variadas e originais, dimensões, a pintora demonstra que a substância é eterna, e que a morte está na génese da vida, através da repetição de motivos que parecem estabelecer uma narrativa ao longo dos diversos trabalhos – “Inquietação” e “Diálogo”. Por outro lado, verifico a abertura a outros mundos que não deliberam, bem pelo contrário, qualquer ruptura com aquele em que vivemos – “Alegria” e “Brilho de Estrelas” –, e onde as formas de vida estão em permanente movimento – “Brincando no Jardim” e “Seres de Luz”. Sentidos e razão envolvem-se num estreito amplexo, cuidam-se e fiscalizam-se e, contrariando Platão, ultrapassam falsas inferências num processo de complementaridade – “Caminhada” e “De Braços Abertos”. Há uma percepção clara da interacção e posterior fusão dos corpos na rota da unicidade – “Acariciando” e Encontro” – em demanda do prazer que tenta driblar a dor. A morte não é o fim porque a essência permanece enformando a natureza, mito e rito do universo que é, sempre foi, uma constante na arte de Luísa Prior.

É esta coerência temática, servida por várias técnicas, preferencialmente o acrílico sobre tela, que agiliza um percurso bem definido ainda que em constante mutação. Enformada embora no seio do abstraccionismo, não do abstraccionismo do pós-guerra, outrossim na linha de Kandinsky em que as cores são significado e emoção, logo situando-se mais perto da pós-abstracção pictórica de Robert Ryman ou Cy Twomnbly – “Entre Caminhos” e “Iluminado” –, parece, nesta fase, haver um velado anseio de figurativismo expressionista, com um toque naïf, que tem no homem, enquanto elemento da natureza, o seu motivo electivo. Explicito, salvo melhor opinião, e voltando a evocar De Rerum Natura: o homem, elemento do universo, e só enquanto tal, dentro do percurso vida-morte-vida, espreita em muitas telas, ainda embrionário e submerso no líquido amniótico que o protege de adversidades – “Os Seres Flutuantes”, “Movimentos na Água” e “Seres de Luz”. Trata-se de uma vontade de renascer no seio – sempre – de uma natureza aconchegante símile da paz, do encontro e da protecção familiar, ainda que consciente de possíveis agressões – “Fragilidade Humana”.

Interessantemente, Munch é figura tutelar em quadros expressionistas como “Grito Silencioso” ou “Infinitude do Ser”, que, longe de fazerem perigar a estabilidade inicial, se configuram como “gritos” de alerta, sendo deles defensores.

Acresce, ainda que apenas na cerâmica, uma outra fuga, agora para um geometrismo minimalista muito próximo da Op Art, baseado em teorias e práticas da Bauhaus, na senda de Bridget Riley, que cria a ilusão óptica de movimento e profundidade, onde uma certa impessoalidade convida o observador a envolver-se e investigar multímodas perspectivas.

Sintetiso: mantendo-se tendencialmente fiel ao abstracionismo, Luísa Prior parece, nesta ultima fase, estabelecer o diálogo com o figurativismo e o geometrismo ainda que a coerência dos intertextos agilize um processo hipertextual, a tal narrativa a que atrás aludo, em permanente conluio com a anima della natura.

A harmonia narratológica é ainda sustentada por uma assertiva policromia. Diversificando cores e tons, ensaia um colorido bailado em que linhas e planos explodem em emoções e sentimentos. “Rendilhado de Água” e, muito particularmente “Ninhos de Cor” – expoente máximo da policromia – ostentam uma pureza estética e cultural, enraizadas em Pollock, ainda que a técnica usada seja outra, e não o pingar da tinta em camadas sobrepostas, modus operandi do artista norte-americano. Corrobora a dita coerência o aparato paratextual, exímio complemento da mensagem – de uma mensagem de afecto.

Por tudo, é sempre uma poliédrica e polícroma história de afectos a arte de Luísa Prior. Vê-se, ouve-se; depois cumpre-me – cumpre-nos – contá-la. De rerum natura.