Here’s a shocking revelation for you voyeurs
Such a heinous deviation, there are no cures
I’m a mineralist, I’m a mineralist
- Nick Mason, I’m A Mineralist, 1981

Sou Minimalista, não, desculpe, sou “mineralista” – sim, sou. Quem o diz, ou melhor, cantou, foi Robert Wyatt no álbum Fictitious Sports (1981), de Nick Mason. As letras cantadas por uma voz monótona com uma música constante, coproduzida e escrita por Carla Bley, gozam com o minimalismo musical de Philipp Glass, Eric Satie e John Cage. Trata-se de uma música sobre a música, a partir de um fenómeno artístico, o minimalismo. O título da exposição de André Trindade em referência ao álbum de Nick Mason sugere uma reflexividade do artista sobre o seu próprio campo de ação.

O minimalismo de André Trindade esgota-se nas legendas: todas as obras são sem titulo, uniformizando um conjunto de objetos que testemunham o ‘desvio hediondo’ de Trindade. Ele é um mineralista par excellence, construindo obsessivamente obras de arte que se revelam como ficções e fazem lembrar props de cinema de um filme de ficção científica, jogando, num futuro próximo, em flashbacks, com a história da arte dos anos 60.

As obras são assemblagens, acumulações de objetos encontrados e organizados em diferentes grupos. As fotografias aéreas e de cenários naturais (colagens) instigam associações à paisagem formada pelos objetos que Trindade apresenta horizontalmente na galeria. Uma caixa que faz lembrar uma moldura horizontal é preenchida com entulho e ossos de animais, um conteúdo heterogéneo que é uniformizado por uma pintura monocromática. O ato de pintura torna-se ainda mais evidente num plinto que também está instalado horizontalmente e serve como suporte para a pintura feita com os dedos, nobilizado por um verniz brilhante – tal como os objetos de entulho e os ossos –, assim se criando um sentido de estranheza e tensão entre a banalidade dos objetos e a aparência das suas superfícies.

A coleção do “mineralista” alarga-se, obviamente, aos minerais, que são falsos e só à primeira vista parecem servir de mera ilustração ao título da exposição. Os minerais revelam-se como rochas vulgares camufladas, pintadas, criando uma preciosidade simulada que faz recordar a atual discussão à volta da recentemente declarada era geológica de Antropoceno para tentar definir a época atual do nosso planeta, aquela em que o homem finalmente se tornou o factor de influência mais determinante nos processos biológicos, atmosféricos e geológicos.

Uma das obras centrais da exposição é uma escultura de ferro construída por Trindade a partir de numerosas pequenas placas de metal unidas por soldagem, com as costuras bem visíveis a criar um ornamento construtivo nas superfícies de ferrugem. A escultura lembra-nos o Golem, uma criatura antropomórfica animada do folclore judaico criada magicamente a partir de material inanimado. A aura estranha desta obra vem reforçar esta linha de associação, pois as formas desta escultura exibidas à nossa frente parecem estar à espera de serem reunidas numa ordem aparentemente correta pela pessoa certa, capaz de dar vida aos materiais inanimados. O Golem faz parte do nosso imaginário visual desde 1915, quando os realizadores alemães Paul Wegener e Heinrich Galeen criaram um filme com o mesmo título narrando a história de uma figura de barro encontrada na construção de um poço profundo no bairro judaico de Praga que se torna animada quando se ouve a recitação de uma fórmula mágica. Ainda nesta linha de associação, a figura de barro do Golem no filme transmuta-se no molde das formas de metal que constituem esta obra de Trindade, apresentada ao ‘voyeur’ (nós, os espetadores) como um cadáver na mesa de dissecação.

Nick Mason instigou o título da exposição, mas a banda sonora para os ‘props de filme’ de Trindade vem de uma colaboração com Garcia da Selva e está disponível ao público numa cassete em formato multiple – duas ‘relíquias’ dos anos sessenta – cujo invólucro evoca, mais uma vez, a forma cristalina (mineral). As colaborações a que Trindade recorre, assim como a eliminação de uma ‘distância contemplativa’ em relação aos objetos evocam diferentes noções de autoria e teatralidade na apresentação da arte.

Slavoj Žižek faz a distinção entre a violência subjetiva e a violência objetiva. A primeira é a violência que reconhecemos facilmente nos atos brutais da guerra ou nos atos violentos de uma pessoa contra a outra. Já a noção de violência objetiva de Žižek reclama uma mudança de perspetiva e divide-se entre uma violência simbólica da língua – as suas formas de dominação social e imposição na criação de significado – e a violência ‘sistémica’, as consequências catastróficas de um funcionamento suave dos sistemas políticos e económicos. I’m a Mineralist é uma exposição que, com toda a sua subtileza irónica, parte desta violência objetiva: seja a violência deste tipo de texto, reclamando a autoridade de introduzir sentido na exposição em causa; seja a participação da arte numa violência inerente aos sistemas políticos e económicos, nos quais, para não perder a sua relevância, é condenada a participar. - Jürgen Bock, Março 2015