As inúmeras transformações que o mundo sofreu nessas últimas décadas, simultaneamente com o processo de globalização possibilitou um relacionamento entre círculos multiculturais, assim como um intercâmbio de idéias, de novas formas de pensar e enxergar o mundo. Em contra partida, o processo de globalização também trouxe novos movimentos que buscam reforçar suas particularidades, memórias e histórias regionais.

Deste modo, grupos menores ou excluídos esforçam-se para serem ouvidos, sendo o social consequência de expressões e perspectivas individuais. O que se faz presente não é apenas uma, mas inúmeras identidades que ansiam pelo seu lugar e que se criam e recriam constantemente no espaço urbano. Nesta esfera, as ações culturais podem ser fomentadoras de modificações simbólicas, de uma abertura de sentidos e novas referências.

Sob uma perspectiva estrutural e física do espaço urbano, a cidade é uma representação de um ideal social e suas relações com o ambiente urbano. Sua estrutura espacial lhe confere uma posição única de poder, ao aproveitar o encargo simbólico dos contornos e proporções urbanas.

Projetos e objetivos estéticos variados são interligados em suas próprias contradições. Há uma busca pela reintegração do coletivo, do cultural e do territorial com um apelo às suas relações simbólicas. Dessa forma, se torna difícil definir os métodos pelos quais uma cultura popular, ou mesmo uma contracultura, forma ou transforma a matéria urbana. A obra de arte, por sua vez, passa a ser uma propulsora da construção do espaço.

A principio um movimento de resistência e contra-cultura, a arte urbana foi ganhando espaço e tornando-se um estilo artístico, incorporando assim diversas formas de expressão. Os artistas fazem uso do graffiti, estêncil, stickers, cartazes lambe-lambe ou poster-bombs, intervenções, instalações, flash mob, entre outras, como forma de expressão artística. Percebe-se uma forma de comunicação através de textos, imagens, conceitos e objetos que tem como objetivo criar impacto no público, cujas principais temáticas são as questões socio-políticas. Suas mensagens tem o intuito de levar à reflexão.

O termo ganhou popularidade durante o “boom” da arte do graffiti no início dos anos 80 e continua a ser empregado desde então. Neste período, as obras que eram basicamente texto passaram a ser mais gráficas e conceituais, tendo como exemplo o trabalho de figuras de sombra de Richard Hambleton. Juntando-se a ele vieram as obras no metrô de Keith Haring, os graffitis SAMO de Jean-Michel de Basquiat, os estêncils de Banksy, dentre tantos outros ao redor do mundo. O cenário musical punk rock também teve uma grande influência no crescimento da arte de rua nos anos 80.

A utilização de locais públicos como telas, demonstra o interesse desses artistas em querer comunicar-se com o maior número possível de pessoas, seja para chamar a atenção para uma determinada causa, seja como uma forma de “provocação” social. O apoio e inspiração vem de fontes diversas: teatro, música, poesia, literatura, imaginário popular, surreal, entre outras. Há um irrefutável ativismo e subversão na arte urbana. Geralmente suas obras são realizadas em locais públicos sem uma autorização prévia. Contudo, as pixações territoriais ou puro vandalismo não se enquadram na categoria de arte urbana.

A arte de rua explora a questão da territorialidade, sendo a concepção do poder exercido por um indivíduo ou um grupo em determinado espaço geográfico. A territorialidade tem uma característica mais cultural do que um mero apoderamento físico. Ela tem várias facetas e dimensões, sendo eles econômicos, psicológicos e geográficos. Mais do que tudo está relacionada com o desenvolvimento de identidade, tomando para si espaços e remodelando-os como locais de apoderamento. O apoderamento aparece associado no âmbito afetivo, imaginário e artístico.

Na arte urbana há maneiras distintas de percepção e de utilização da cidade nas obras de arte. A cidade pode ser vista como temática para a arte, como um local ou plataforma para as obras, como a arte propriamente dita ou como referência urbana para o trabalho dos artistas através de suas rotinas. O reconhecimento de experiências cotidianas é essencial, sendo por meio destas que ela modifica os locais públicos de maneiras originalis e muda suas características simbólicas.

Esta visão social da cidade em detrimento ao espaço físico pode criar novas interpretações do que seria o ambiente público e suas formas de acessibilidade, desestruturando submissões e segregações sociais. Consequentemente, reivindicando o “direito à cidade”.

A arte que se utiliza do espaço público exerce sobre o social um confronto no qual o seu domínio é reafirmado ou testado, porém onde algo novo passa a se fazer presente. É uma forma de expor os conflitos e as relações sociais dos indivíduos através de artifícios simbólicos. Por vezes, o convívio entre esses diversos grupos é conflituoso e competitivo, demonstrando a essência política por traz das relações culturais.

A arte urbana apresenta inúmeras interpretações, sendo suas normas criadas através da relação com o público e das formas de apropriação pela sociedade. Nesse sentido, o artista de rua contribui para a transformação qualitativa do espaço urbano, no entanto, para isso é necessário estar apto a entender os seus códigos e interpretar seus diversos significados. As obras criam relações estéticas com os signos sociais, culturais e políticos que as envolvem.

Atualmente, o Brasil dispõe de um cenário bastante rico no que diz respeito à arte de rua, tendo vários artistas de renome internacional, como: Claudio Ethos, Os Gêmeos, Vitche, Alex Hornest, Herbert Baglione e Marcelo Ment.

Com a crescente popularidade alçancada pela arte de rua, alguns artistas viajam o mundo divulgando suas obras, eximidos, contudo, dos limites impostos pelo mundo da arte convencional. Muitos artistas possuem inúmeros admiradores de seus trabalhos, além de atenção da mídia, que já lhes permite trabalhar comercialmente com o estilo que os fez famosos nas ruas, como por exemplo, promovendo marcas de roupa e campanhas publicitárias. Diversos museus e galerias de arte, por sua vez, já cederam espaço para exposições de arte de rua. Consequentemente, a chamada “arte de rua”, se transporta do plano público também para o privado, afirmando a característica transcendente da arte.