A exposição Fotos contam Fatos, que tem como curadora Denise Gadelha, exibe um conjunto polifônico de obras marcadas pela presença da fotografia como instrumento narrativo. A mostra propõe uma interlocução estabelecida a partir da pesquisa contemplada no XIII Premio Marc Ferrez de Fotografia (Funarte), que possibilitou o contato com diferentes aspectos das redes de produção e circulação artística em dez cidades, de norte a sul do país.

O caráter plural desta investigação reflete a tendência da contaminação entre linguagens; não somente sob a ótica do hibridismo da estética pós-moderna, mas também, mantendo sintonia com a simbiose entre texto e imagem, cada vez mais alimentada pela complexidade interativa da comunicação na sociedade contemporânea. A transmissão de um acontecimento é facilitada pela sobreposição de diferentes meios para descrever facetas complementares em sua atribuição de sentido. Sobretudo, no que tange às narrativas atuais, textos são invadidos por imagens e estas são ressignificadas pela escrita.

Fotos contam Fatos elenca abordagens pouco convencionais, se comparadas à apresentação da fotografia tradicional que retrata imagens puras. A pesquisa busca outros caminhos ao articular proposições fotográficas que transitam entre categorias artísticas. O diálogo é ampliado em um contexto que valoriza a leitura da imagem enquanto veículo de narração em suportes variados como a instalação, a escultura, o objeto, o vídeo ou livros e publicações em geral.

Os trabalhos selecionados representam um universo diversificado de posturas que transcendem o significado isolado de uma imagem e encadeam conexões exteriores por meio do emprego de uma série de estratégias, como a disposição de múltiplas imagens em sequências narrativas, ou então, o uso de fotografias tratadas como unidades semânticas em “frases visuais” que formam conjuntos maiores. Propostas que extravasam os limites do plano bidimensional e ratificam a presença do corpo da imagem no espaço. Fotografias desmembradas em suas mínimas partículas constituintes para, a seguir, serem reconstruídas de modo a reorganizar seu código-base resultando, assim, em uma aparência totalmente distinta. Fotos que documentam ficções. Imagens latentes em objetos que negam sua visibilidade... A grande maioria, porém, é formada por ensaios visuais organizados em publicações. Tais atitudes em relação à fotografia exemplificam alguns dos procedimentos recorrentes do microcosmo desta exposição, cujo anseio é espelhar o espírito cacofônico do nosso tempo.

Em sintonia com a sensação generalizada de sobrecarga de informação que desafia nossa capacidade seletiva cotidiana, a expografia, adotada nesta proposição, evoca a natureza compulsiva e agregadora da biblioteca, transgredindo a assepsia formal do “cubo branco”. As obras são dispostas em estantes metálicas convencionais como aquelas encontradas nas bibliotecas. A ocupação da galeria é saturada. Há excesso de estímulos que comprometem a assimilação da totalidade. A mostra remete ao infinito que reside potencialmente em qualquer agrupamento, onde elementos postos em sequência sugerem virtualmente inúmeras permutações. Este conjunto polissêmico está aberto à interação, uma vez que boa parte das publicações está disponível para a consulta local. Uma grande mesa, e cadeiras posicionadas no centro da sala oferecem melhores condições à fruição. No entanto, não é possível prever como o material será devolvido às prateleiras. Portanto, o livre intercâmbio aumenta as possibilidades de desdobramento da leitura, ao estabelecer novos diálogos em situações distintas da configuração inicial.

As imagens-técnicas constituem um tipo de linguagem capaz de aglutinar grande volume de informação visual. Contrariamente à escrita linear – que traz consigo o tempo próprio dado pela sucessão das palavras – a fotografia coloca em suspensão uma fração de um continuum, e, portanto, se torna mais suscetível à projeção do nexo externo estabelecido pela circunstância específica de sua recepção.

Em Fotos contam Fatos a fotografia é vista como um ponto de partida e não um fim em si mesma. A construção de significado se dá no encontro e é atribuída à dinâmica entre as coisas. Mais do que um instrumento que registra o passado, a fotografia colabora para a sedimentação de uma versão de outra realidade temporal ecoando no agora.