A Blau Projects apresenta, de 28 de janeiro a 25 de fevereiro a exposição Miniaturas, maquetes, vodu e outras projeções políticas, com curadoria de Claudia Rodriguez Ponga Linares. A exposição foi selecionada pelo #03 C.LAB Mercosul, edital voltado a jovens curadores que está na terceira edição, promovido pela Blau Projects. O C.LAB faz um intercâmbio entre artistas, instituições, galerias e curadores por meio de exposições e residências que reforçam o papel da galeria de incubadora e difusora da arte contemporânea. Os artistas apresentados na exposição são Débora Bolsoni, Gabriel Rossell, Jaime Lauriano, Martín Carrizo, Mónica Giron e Renato Maretti, que expõem oito obras, algumas delas inéditas.

O objetivo da exposição é tornar evidente o poder mágico/político do modelo em miniatura, criando um diálogo entre obras que abordam problemas que o Brasil divide com seus vizinhos, inclusive com o México, que poderia ser considerado o polo "latino-americano” mais afastado do Brasil, tanto geográfica quanto culturalmente. Por um lado, a exposição traz obras em miniatura, e outras que são uma alegoria aos ex-votos (termo que designa obras de arte criadas para serem doadas às divindades como forma de agradecimento a pedidos atendidos).

"Quando acontece uma redução de escala, é possível controlar melhor o resultado e produzir uma série de impactos”, conta a curadora Claudia Ponga. "Com a miniaturização, o entendimento é micro, mas é dessa forma que atingimos o macro também de forma política”, afirma.

A inspiração para o tema, segundo Claudia, veio do antropólogo belga Claude Lévi-Strauss. Para ele, a miniaturização é uma característica essencial da arte, por tornar o mundo inteligível sem necessidade de dividi-lo em partes. Além disso, a maquete, que é uma das formas de miniaturização, é sempre "man-made” (feita pelo homem), construída, por isso "constitui uma verdadeira experiência sobre o objeto”, segundo Strauss. "E as obras pequenas têm aparência de brinquedo, podem parecer inofensivas, mas têm uma espécie de veneno dentro delas”, conta Claudia.

Outra influência para Ponga é a obra de Arthur Bispo do Rosário. A curadora visitou seu museu, no Rio de Janeiro, onde encontrou modelos miniaturizados de toda a sorte de materiais: galinheiros, cercas, cavalariças. "Bispo tinha recebido a missão, divina, de reconstruir o mundo para mostrá-lo a Deus no Juízo Final”, conta Claudia. "O interessante da obra dele é que ele não estava oferecendo pedaços de si, como uma parte de seu corpo, mas a forma do seu raciocínio que precisava ser analisado e pensado para ser reparado”, afirma a curadora. A miniaturização do Bispo do Rosário foi de extrema importância para a curadora chancelar seu pensamento sobre a importância de se reduzir a escala para se abranger o mundo.

Já os ex-votos, mais tradicionais em países de fé católica, são imagens votivas que, segundo o filósofo francês Didi-Huberman, caracterizam-se por ignorar "a ruptura entre o paganismo e o cristianismo”. São geralmente feitos de materiais fáceis de serem modelados, e têm forma de desejo, de reza e são sempre "objetos aos que o donante está unido, e objetos que lhe unem com algo”, segundo Huberman.

"Genocídio”, do brasileiro Jaime Lauriano, mostra uma série de santos católicos dispostos em miniatura, e questionam a relação de devoção dos fiéis. "São figuras de opressão, e têm por trás o peso de toda a colonização de séculos”, conta a curadora. Nessa mesma linha, "Catedral de Açúcar”, do mexicano Gabriel Rossell, é uma catedral em miniatura criada em açúcar.Essa obra é uma referência a uma matança de índios feita dentro de uma catedral no México, onde os indígenas buscaram abrigo e acabaram sendo queimados, mesmo dentro do local considerado sagrado. No México, o açúcar é um elemento muito utilizado no Dia dos Mortos, com caveiras coloridas feitas de açúcar.

A brasileira Débora Bolsoni apresenta duas obras: "Confete e arapuca”, e "Pipocas”. O confete é uma alegoria da alegria, sobretudo para os brasileiros, onde o Carnaval é uma festa que acontece em todo o país. "Mas ela cria uma arapuca, que gera um ruído e uma contradição, é uma armadilha que pode ter uma conotação política forte”, conta a curadora. Em "Pipocas”, a artista cria uma série de pipocas em cerâmica espalhadas pelo chão, onde o público é instado a avaliar e se colocar diante da obra podendo também destruí-la.

O mercado imobiliário e a questão da moradia são temas de duas obras inéditas da exposição. No novo trabalho de Renato Maretti, "Empreendimento”, o paulista mostra uma maquete de um empreendimento imobiliário pichada, como se fosse possível "ocupar” um projeto. São inscrições ligadas às frentes de luta pela moradia que colocam em cheque a viabilidade de se criar novos empreendimentos, já que há muitos locais na cidade vazios ou ocupados. Nessa mesma linha, o argentino Martín Carrizo apresenta a obra "Sem título”. Ele vem a São Paulo criar o trabalho, que consiste em criar uma maquete em ruínas. "É um tipo de maquete que existe em tantos lugares do Brasil e da América Latina, onde se iniciam construções e por falta de previsão, de dinheiro ou viabilidade, acabam por deixar a obra incompleta e precária, o que evidencia a falta de planos urbanísticos nesses locais”, pontua a curadora.

Uma das mais prestigiadas artistas argentinas, Mónica Giron, que já teve retrospectiva feita pelo MALBA (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires), mostra duas obras, "Enxoval para bandeirante” e "Neocriollo”.Nascida na Patagônia, a artista mostra, em "Enxoval para bandeirante”, pulôveres em miniatura para os pássaros da região migrar. "A Mónica é uma artista bastante ácida, e fazer roupas para pássaros é quase um gesto infantil, mas ao mesmo tempo muito crítico”, afirma a curadora. Em "Neocriollo”, Mônica traz à tona o neocriollo, língua inventada pelo artista surrealista argentino Xul Solar, uma mistura de espanhol, português, inglês, francês, grego e sânscrito, além de um toque de expressões típicas argentinas, uma espécie de "esperanto” do Rio da Prata. Na obra, Mónica traz uma série inédita, onde ela cria uma espécie de "massinha” com agrupamentos de figuras humanas antropomorfas e disformes, em que questiona o "estar junto”. "Ela mostra como as pessoas estão juntas e unidas, mas ao mesmo tempo estão também apertadas e confusas”, conta Claudia Ponga.