Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos (…).

(Manoel de Barros)

De que se compõe uma exposição? De objetos, certamente. De coisas a que chamamos obras de arte, ou que assim passam a ser designadas no momento em que são expostas, como dispositivo, num determinado espaço. Desde Duchamp que os objetos artísticos foram desinvestidos de uma aura que os tornava únicos, originais, frutos da mão do artista que, com sua mestria, os construía. Desde então, há uma questão que se coloca e volta a ser colocada a cada nova exposição em que o artista decide que arte não é apenas um gesto criador, mas é também um gesto recolector – os objetos são fruto dum olhar especial, duma escolha, dum percurso realizado pelo artista e da sua decisão – trazer para o universo daquilo a que chamamos de arte coisas que outros diriam ser sobras, ruídos, restos. Poeira.

Mas o que define esta coisa que o artista convoca? Heidegger, a propósito, escreveu um ensaio em que propõe à Filosofia uma questão semelhante:

«A questão enuncia-se do seguinte modo: “Que é uma coisa?”. Imediatamente uma dúvida nos assalta. Dir-se-á que faz sentido utilizar e consumir as coisas disponíveis, pôr de lado as coisas que estorvam, arranjar as que são necessárias; mas com a questão “que é uma coisa?” não se pode, propriamente, começar nada. (…) Esta afirmação acerca da nossa questão é tão verdadeira que devemos, precisamente, compreendê-la como uma determinação da sua essência.“Que é uma coisa?”. Esta é uma questão com a qual nada se pode começar; acerca desta questão, mais nada precisa ser dito».

Para o filósofo, as coisas existem quando sabemos o que fazer com elas. Mas, quando as questionamos, elas assumem uma nova ontologia que nos confunde.

A exposição de Susana Gaudêncio, que é, no fundo, um processo expositivo e um dispositivo de constante inquietação, prossegue uma senda de outras exposições onde os objetos, ora criados pelas mãos da artista, ora encontrados por acaso ou resignificados, são dispostos de maneira a tentar responder, ou, pelo contrário, a propor mais questões a quem vê os objetos e também, aos próprios objetos em si, que contêm uma história.

Porque as coisas/objetos falam de nós que os encontramos, ou que os perdemos, e também de nós que nos convertemos em objetos tecnológicos, em gadgets, que nos desgastamos. Na poeira do caminho não responde à questão heideggeriana – o que é uma coisa, mas propõe-nos encontrar novas respostas a esta inquietação.

Porque os objetos são o que fazemos com eles, são os significados do qual são investidos e são, sobretudo, fragmentos daquilo que somos e da sociedade em que vivemos.