Só podemos ver o que sabemos. É o mundo que está cego. Há imagens demais.
É uma espécie de poluição. Ninguém pode ver nada.
É preciso voltar às trevas para achar as verdadeiras imagens.

(Evgen Bavcar)

Estamos mais do que nunca mergulhados num universo imagético. O estágio atual em que nos encontramos exige que a todo momento nossos sentidos estejam despertos para interpretar-vivenciar imagens e mais imagens. O fotógrafo Evgen Bavcar, cego desde os 11 anos de idade, acredita que é preciso deixar de ver as imagens para que voltemos a reencontrá-las. O trabalho de Ricardo Gritto é, de um modo geral, um apelo aos sentidos; exige do público a disponibilidade para a leitura e para a interpretação do que é visto. A obra do artista está constantemente a interpelar, a questionar e a pôr em causa a nossa relação com o mundo, com os seus significados, com tudo o que nos afeta e a forma como os espaços são afetados pela nossa presença. Há, nos seus desenhos, pinturas e instalações, marcas ou rastos de outras obras inacabadas, de imagens que impressionaram o artista e as quais ele recorre através da memória que imprime, fragmentada, naquilo que faz.

As pinturas da sua última série, um conjunto de telas quase monocromáticas, opacas e extremamente texturizadas, remetem o olhar para uma espécie de lugar da cegueira - não há nenhuma figuração programada, não há interpretação possível ou alegorias ocultas. Há, sim, o retorno aos estados contemplativos suscitados pelos primeiros ícones cristãos. A transcendência da obra está na ausência de sentidos óbvios. As obras são mais hápticas do que meramente visuais, provocam o aparecimento dos outros sentidos quando a visão se mostra insuficiente. Como disse Evgen Bavcar, é preciso voltar às trevas para se reencontrar as verdadeiras imagens, aquelas que ainda não foram gastas de tanto serem vistas, aquelas que ainda não perderam o sentido porque nada significam e este nada é um princípio de qualquer coisa nova que pode vir a surgir. No início do século XX, vários foram os artistas que experimentaram abandonar a figuração em prol da visibilidade da própria arte naquilo que ela possui de mais físico - a sua materialidade.

O retorno ao invisível dá-se, uma vez mais, na segunda metade de um século que foi marcado por duas grandes guerras. Nos anos que testemunharam o fim da II Guerra Mundial, os artistas ocidentais, em particular os europeus, entraram numa espécie de profundo estupor - o horror do vivido não era representável e só lhes restou o silêncio. Mas a arte e os artistas não se calaram, produziram imagens que eram, à sua maneira, pontos de fuga que encontram seu apogeu no excesso subjetivo e gestual da obra de Jackson Pollock e de alguns artistas que, como ele, representaram a sua incapacidade de representar o indizível, ou o invisível.

Ricardo Gritto, que busca, com seu trabalho, criar uma linguagem universal, que liga o ocidente próximo ao distante oriente, decidiu transformar seu gesto em quadros que nada dizem àqueles que não sabem ler. Mas, a todos os que conseguem ver para além da opacidade da tela, da textura, da cor, para aqueles que foram salvos do universo das imagens pela cegueira voluntária, a sua obra é um longo discurso que ressoa, de forma profunda, nos sentidos que vão muito além da visão.