Suave, silenciosa e pendular. Sem origem ou destino, como um corpo que existe por si só, a obra de Maria Laet reverbera o essencialismo da matéria. De forma quase que instintiva, a artista se atém aos detalhes que passam despercebidos por olhares apressados e constrói intervenções poéticas, nas quais reflete o tempo e questiona, sutilmente, limites. Esta é a linha que conduz a exposição Poro, na Galeria Marília Razuk.

Com curadoria de Bernardo José de Souza, a exposição reúne 11 trabalhos desenvolvidos em suportes diversos: vídeos, fotografias, monotipias, objetos e uma instalação. Com eles, a artista - também convidada para a 33ª Bienal de São Paulo - propõe ao espectador uma pausa no tempo para se despir da necessidade habitual e, muitas vezes, cartesiana, pelo controle.

Maria Laet age sem pressa, seu tempo é outro, atravessa o homem e a natureza de maneira tão fluida quanto uma névoa. A partir da dialética sobre o tempo, em uma ação quase que banal, Laet costura o solo da terra do Parque Lage. Trata-se da série de fotografias Terra (Parque Lage), de 2015, no qual ela se debruça sobre o chão e o alinhava, calmamente, criando uma espécie de veia entre duas árvores.

“A obra de Maria Laet situa-se em um tempo que é compartilhado e promove um eterno retorno à própria artista, mas não sem antes passar pela natureza, pelos homens, por todxs nós”, diz o curador.

O trabalho de Laet tem, por vezes, características acidentais, de imprevisibilidade. Os elementos nem sempre são controláveis, como em Sopro, série de 2008. Duas pessoas, uma de cada lado, se encontram frente a uma pilha de folhas de papel, sobre os quais cai uma gota de tinta e elas se revezam para soprar. O pigmento é absorvido pelas camadas de papel e o gesto forma diversos desenhos que, pouco a pouco, vão sumindo. O ato alude ao caráter fugaz do tempo, como se a duração do desenho pudesse ser a mesma daquele encontro.

Em uma sala escura, encontra-se a instalação Propagação (2014). Seu chão é tomado por centenas de bolas de metal cromado, semelhantes às usadas pela medicina tradicional chinesa. No interior de cada uma delas, um pequeno guizo. O espectador é então convidado a caminhar pela sala, adentrando-se em uma atmosfera onde o tempo é outro. O espaço é marcado ao ritmo do movimento: a cada passo, um suave tilintar.

Na obra de Maria existem apenas o branco, o preto e todas as variações possíveis do cinza. A artista abdicou da cor. Em dado momento, o caráter acidente ressurge na realização de monotipias de Dobra, série de 2015. A imprevisibilidade do desenho se dá como reação ao processo criativo da artista.

“Há algo de intangível em sua ação silenciosa, fantasmática, litúrgica, eu diria - uma presença e um protagonismo que nos transpõem a outro plano, senão austero, milenar, esotérico, místico. É naquilo que respira, dorme, hiberna - para depois projetar-se na matéria - que existe a obra de Maria Laet”, conclui José de Souza.

Maria Laet nasceu em 1982 no Rio de Janeiro, vive e trabalha em sua cidade natal. Seu trabalho é criado por ações e pelo resultado de gestos e intervenções sutis, numa prática que envolve desenho, gravura, fotografia e vídeo. Esses meios agem como canais, plataformas para os processos da artista, como peles, que levam suas intenções e revelam a ação como um arquivo. Dessa forma, as obras acontecem tanto no conceito quanto na esfera física dos materiais envolvidos, chamando sua atenção para a membrana, o espaço que liga e ao mesmo tempo divide. Esses encontros são enfatizados na natureza entrópica do trabalho de Laet, que tendem a parecer calmos, inicialmente homogêneos, mas sutilmente questionam a noção de limite.

É formada pela Camberwell College of Art, na qual concluiu mestrado em 2008. Participou de residências artísticas como a Schloß Balmoral (Bad Ems, Alemanha, 2009), o Carpe Diem Arte e Pesquisa (Lisboa, 2010), e a Residency Unlimited (Nova York, 2014).

Participou de coletivas como Indelével (Clube Jacarandá, Rio de Janeiro, 2016), Tangentes (Museu de Belas Artes, Gent, Bélgica, 2015), Encruzilhada (Parque Lage, Rio de Janeiro, 2015), Rumors of the Meteore (Frac Lorraine, Metz, França, 2014); Everydayness (Wyspa Institute of Art, Gdansk, Polônia, 2014), A Invenção da Praia (Paço das Artes, São Paulo, 2014), Correspondências (Centro Cultural dos Correios, 2013), From the margin to the edge (Somerset House, Londres, 2012), 18th Biennale of Sydney: all our relations (2012), Convite à Viagem (Rumos Itaú Cultural, 2012) e O lugar da linha (Museu de Arte Contemporânea, Niterói e Paço das Artes, São Paulo, 2010). Foi indicada ao Prêmio PIPA 2010, 2011, 2012, 2016, 2017 e 2018.

Sua obra integracoleções como MAM, Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro; MAC Niterói; FRAC Lorraine, Metz, França; MSK, Museu de Belas Artes, Gent, Bélgica; AGI Verona, Itália; Cisneros, Patricia Phelps de Cisneros, Nova York; e MoMA, Nova York.