É com a exposição individual "1968: O Fogo das Ideias", com curadoria de Inês Valle, que Marcelo Brodsky, artista e ativista argentino, apresenta a sua obra artística em Portugal pela primeira vez.

Em conformidade com a prática de investigação documental de Brodsky, esta exposição revela momentos de manifestação social ocorridos nos anos '60, permitindo também de certo modo um melhor entendimento do terror então vivido na Argentina — país do qual o artista esteve exilado até ao final da ditadura. São imagens vindicativas que nos inserem na Poor People’s March, em Washington, nas manifestações contra a Guerra do Vietname que ocorreram em Berlim, Londres ou Tóquio, ou mesmo nas diversas manifestações e campanhas estudantis contra as estruturas governamentais que aconteceram no Brasil, na Argentina, em França e em Portugal. Pela primeira vez, estas obras são justapostas não só com publicações daquele período que figuram em coleções portuguesas, assim permitindo um entendimento contextual destes momentos que gritaram por um mundo mais justo, como também com a série de vídeos Acción Visual, assinada por Brodsky e Natalia Hendler. A exposição cria também diálogos inéditos entre a obra de Brodsky e as de outros artistas, como Marcel Broodthaers (Coleção MACBA) ou Ricardo Martins.

Nas comemorações dos 50 anos da luta dos trabalhadores e estudantes, bem como dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, esta exposição incita uma reflexão sobre as batalhas e os desejos para os quais as nossas vozes nunca poderão ser silenciadas.

Segundo Inês Valle, curadora da exposição, "Que são as revoluções senão um fogo de ideias que ferve no nosso interior e nos faz sonhar com vidas melhores num mundo mais justo?

Marcelo Brodsky é um revolucionário e ativista de direitos humanos. Acima de tudo, é um homem que recorre às artes visuais para criar consciência sobre o nosso mundo. De forma muito crítica e ciente, investiga imagens, palavras e documentos sobre as memórias específicas que moldaram a nossa história coletiva e que também impactaram tremendamente a sua vida e a sua família. Na primeira linha, há a ditadura militar argentina (1976–1984) e o efeito desta na sua vida — ou, melhor ainda, na sua geração. Foi um regime dominado pelo terror, por um estado que sistematicamente executava cidadãos e que fez «desaparecer» pelo menos 30 000 pessoas, incluindo o irmão mais velho, Fernando, e o melhor amigo, Martin Bercovich, de Brodsky. Felizmente, o artista conseguiu fugir para Barcelona, onde viveu em exílio até 1984.

Durante este período, Brodsky aprendeu a arte da fotografia e compreendeu o poder desta na abordagem e no tratamento dos problemas sociais, concentrando-se nas provações psicológicas sofridas pelos migrantes. O resultado do seu percurso neste campo é uma obra marcada pela memória coletiva — ainda uma forte premissa na sua prática artística atual.

Numa tentativa de compreender a sua própria identidade, Brodsky, aos 40 anos de idade, regressa à Argentina e leva a cabo uma investigação sistemática sobre os seus próprios arquivos fotográficos. Foi uma fotografia de 1967 dos seus colegas de turma que desencadeou a curiosidade profunda de conhecer o paradeiro de cada um.

Os encontros que teve com eles em busca da verdade originaram aquela que é agora a sua obra mais famosa: Buena Memoria (1996). No projeto, a fotografia «Class Photo, 1967» é drasticamente ampliada e indica meticulosamente o destino manuscrito de cada um dos indivíduos — assassinados, desaparecidos, exilados, traumatizados durante a Guerra Suja. «Puente de la Memoria» enforma outro aspeto deste comovente projeto. Trata-se de um vídeo que capta um dos momentos mais emotivos desta reunião, desta celebração e deste reconhecimento no Colegio Nacional de Buenos Aires. Esta foi a primeira cerimónia organizada pela escola, recordando (vinte anos depois) os 98 estudantes mortos pelo regime tirânico. No vídeo «Puente de la Memoria», o artista conecta as representações faciais dos seus colegas às imagens captadas durante a cerimónia, juntamente com as vozes que vão revelando os nomes das vítimas. Sendo Buena Memoria constituído por álbuns de família, vídeos e registos íntimos e literários, pode ser compreendido como um memorial coletivo tanto para as vítimas mortais como para aquelas que estão ainda vivas, tendo sobrevivido ao período mais atroz da história da Argentina. (Quanto a Brodsky, não obstante após grande demora, devido a um sistema judicial letárgico, a memória trouxe-lhe justiça somente quando do pronunciamento da sentença aos responsáveis pela morte de Fernando, em 2017.)

No projeto artístico 1968: O Fogo das Ideias (2014–2018), que dá o nome a esta exposição, Brodsky propõe uma revisão histórica das ideias dos finais dos anos ‘60, ainda tão pertinentes nos nossos tempos. O projeto torna-se agora um ensaio fotográfico de 50 imagens de arquivo em torno dos protestos sociopolíticos de estudantes e trabalhadores daquele período em todo o mundo. Estas fotografias monocromáticas, com meticulosas intervenções coloridas manuscritas, chamam a nossa atenção para os detalhes da força, da energia e da ação — proporcionando também uma recontextualização visual que nos permite um entendimento mais profundo do passado e do impacto destas lutas na nossa sociedade." (in Folha de Sala da exposição "1968: O Fogo das Ideias") A exposição fica patente até 6 de janeiro de 2019.